sexta-feira, 16 de março de 2012

A ORIGEM DO POVO CIGANO - PARTE II

Para expor a teoria mencionada, começarei citando à afirmação do autor com a qual estou completamente de acordo:
"É sabido que na realidade não existe nenhum povo na India atualmente que possa estar aparentado com os rom. Os vários grupos etiquetados como "gypsies" (com "g" minúsculo) na India não tem nenhuma relação genética com os ciganos. Estes adquiriram o título de "gypsies" através da polícia colonialista britânica que no século XIX os chamou assim por analogia com os "Gypsies" da Inglaterra. Sucessivamente lhes aplicaram as mesmas leis discriminatórias que existiam para os "Gypsies" ingleses. Logo a maioria dos estudiosos europeus, convencidos de que o nomadismo ou a mobilidade são um caráter fundamental da identidade romaní insistiram em comparar os rom com várias tribos nômades da India, sem encontrar nenhum outro caráter em comum, porque suas investigações eram afetadas por preconceitos para com os grupos nômades".
Isto é certo, os investigadores tomaram idéias preconcebidas sobre as quais fundaram suas hipóteses. Sem dúvida, o autor não é uma exceção e cometeu o mesmo erro. De sua própria declaração resultam as seguintes perguntas: Por que não existe nenhum povo na India aparentado com os rom? Por que toda a população cigana emigrou sem deixar o menor traço de si mesmo, ou alguns parentes? Há uma só resposta: porque não eram da Índia, sua origem não pertencia àquela terra, e sua cultura era demasiado incompatível com a cultura indiana. 
Só uma minoria religiosa pode emigrar em massa de um país no qual a maioria dos habitantes pertence a sua própria família étnica. E uma minoria religiosa naqueles tempos significava que era uma confissão "importada", não gerada no ambiente indiano. 
O presumido exílio em Jorasan exposto pelo autor como a razão pela qual o povo ROM abandonou a Índia carece de fundamento, pois não dá uma explicação sobre as crenças e tradições ancestrais dos ciganos, as quais não são nem indianas nem islâmicas (porque Jorasan nessa época não era mazdeísta [ou zoroastrista] já desde muito tempo atrás), porém falaremos deste argumento mais adiante neste estudo. 

De toda maneira, o autor revela um mito na seguinte declaração:

“Quanto às presumidas semelhanças entre o idioma romani e outras línguas indianas, geralmente o punjabi e o rajastani, trata-se somente de um estratagema usado pelos nacionalistas que representam tais grupos lingüísticos e defendem os interesses das respectivas nações: eles simplesmente tentam aumentar artificialmente o número da própria população".
Este é exatamente o caso. Tive a oportunidade por mera casualidade de encontrar na internet grupos de discussão rajput/jat nos quais eles dizem estar convencidos de que os ciganos são um clã jat ou rajput. Se o fazem ou não em boa fé, o fato é que suas declarações são expressadas em um contexto nacionalista e parecem perseguir propósitos de tipo político. A principal presumida prova que apresentam é que os árabes chamavam aos ciganos de "zott", que significa "jat", desde o momento em que aparentemente chegaram ao Oriente Médio. Sinceramente, os escritos dos historiadores árabes são apenas um pouco mais exatos que as fábulas de "As mil e uma noites" quanto à precisão histórica.
 Havendo devidamente reconhecido estas importantes reflexões do autor da "teoria Kannauj", agora exponho suas afirmações sobre as quais fundou erroneamente toda a sua hipótese:

"Contrariamente ao que normalmente lemos em quase todas as publicações, os primeiros ROM chegaram à Europa conhecendo suas origens indianas. Há evidências disto em vários documentos dos séculos XV e XVI. É só depois que a mítica origem egípcia se propôs contra as versões que sustentavam a proveniência indiana. Sendo mais prestigioso, seria eventualmente mais fácil para a própria integração na Europa. Pouco a pouco o mito da origem egípcia foi aceito como autêntico".
Antes de responder a esta afirmação, desejo mencionar outra declaração na qual o autor se contradiz:
"Entre todas as lendas, uma das mais difundidas é a da presumida origem egípcia do povo ROM, que eles mesmos começaram a promover no início do século XVI [...] Em ambos os casos, o prestígio do Egito com base na Bíblia e as histórias de perseguições sofridas pelos cristãos nesse país provavelmente alimentaram uma maior aceitação da lenda egípcia no lugar da origem indiana, e provavelmente os ajudou a obter salvo-condutos e cartas de recomendação da parte de príncipes, reis e mesmo do papa”.
 (O espaço entre colchetes será mencionado depois)

A primeira afirmação é inexata porque há documentos precedentes, inclusive do século XII d. c., nos quais os "egípcios" são mencionados em relação com os ciganos. Normalmente os ROM foram chamados de distintas maneiras segundo a proveniência imediata, por exemplo na Europa ocidental os primeiros ciganos eram conhecidos como "boêmio", "húngaros", etc. (esta última denominação é ainda muito comum em muitos países), enquanto que os árabes os chamavam de "zott", significando "jat", porque provinham do vale do Indo. É certo que jamais foram chamados de "indianos" na Europa. Sem dúvida, tendo chegado à Europa pelo Iran e Armênia através do Bósforo, é improvável que tenham passado pelo Egito - existia na própria memória histórica o fato de que tenham estado antes no Egito, desde onde seu caminho errante começou, e assim declararam sua origem mais antiga. Naquele tempo a Índia havia sido completamente esquecida. Antes de chegar a território bizantino, como o autor mesmo admite, os ROM habitaram por longo tempo em países muçulmanos, e é certamente sabido que quem quer que tenha abraçado o islã dificilmente se converte ao cristianismo. Quando os ciganos chegaram a Bizâncio, já eram cristãos. 
Agora se apresenta um enigma interessante: Como podiam os ciganos conhecer A BÍBLIA em território muçulmano? Isto é algo que o autor não pode justificar de maneira nenhuma, porque na realidade os ROM não conheciam as Escrituras senão só por ouvido até tempos muito recentes. Seguramente na Índia, na Pérsia e em terras árabes onde viveram antes de chegar à Europa não poderiam ter ouvido jamais nenhum comentário sobre a Bíblia, nem tampouco em Bizâncio ou Europa, onde o acesso às Escrituras estava proibido à gente comum e não existiam versões em língua corrente. Não há possibilidade de que os ciganos conhecessem a Bíblia a não ser somente no caso que a história bíblica estivesse profundamente radicada em sua memória coletiva. 
Esta memória se conservou durante o prolongado exílio na Índia de um modo tão forte que não adotaram nem sequer o menor elemento da cultura hindu nem de nenhuma outra existente na Índia. A maioria dos ciganos lê a Bíblia agora, e todos eles exclamam assombrados: "Todas as nossas leis e costumes estão escritos aqui!"- nenhum outro povo sobre a face da terra pode dizer o mesmo, exceto os judeus. Nenhum povo da Índia, nem de outro país.

(Este é o espaço entre colchetes da citação anterior) 
" Em todo caso, em Bizâncio em época primitiva, os adivinhos ciganos eram chamados de Aigyptissai, "egípcios", e o clero proibiu o povo de consultá-los para saber o futuro. Tomando como pretexto o livro de Ezequiel (30:23), os ROM foram chamados de egípcios não só nos Bálcãs mas também na Hungria, onde no passado referiam-se a eles como "povo do Faraó" (Faraonépek)e no ocidente, onde palavras provenientes do nome grego dado aos egípcios (Aigypt[an]oi, Gypsy e Gitano) se usam ainda em referência ao ramo atlântico do povo ROM".

Devia existir um motivo pelo qual em Bizâncio era chamado de egípcios, motivo que o autor não explica. É que os ciganos sabiam que tinham estado no Egito em uma época remota do passado. Há outra palavra grega pela qual os ciganos eram conhecidos em Bizâncio: "athinganoi", da qual derivam os termos cigány, tsigan, zíngaro, etc. Os bizantinos conheciam perfeitamente quem eram os athinganoi e identificaram com eles os rom. De fato, a pouca informação que temos sobre esse grupo coincide em muitos aspectos com a descrição dos ciganos. Não há provas suficientes para afirmar que os athinganoi fossem ROM, porém tampouco existem evidências do contrário. A única razão pela qual a possível identificação dos athinganoi com os ciganos foi descartada a priori é porque aqueles são mencionados no início do século VI d. c., época na qual, segundo os empedernidos sustentadores da teoria da orígem indiana, os ciganos não deviam estar na Anatólia. Os athinganoi eram chamados assim em relação a seus conceitos e leis de purificação ritual, considerando impuro todo contato com outro povo, muito similares às leis ciganas para os "payos" ou "gadjôs" (não ciganos). Praticavam a magia, a adivinhação, o encantamento de serpentes, etc., e suas crenças era uma espécie de judaísmo "reformado" mesclado com cristianismo (ou com mazdeísmo/ zoroastrismo); observavam o Shabat e outros preceitos hebraicos, criam na Unidade de Deus, porém não praticavam a circuncisão e se batizavam (prática que não é exclusivamente cristã, senão também comum entre os adoradores do fogo). Quanto aos athinganoi, a Enciclopédia Judaica diz: "podem ser considerados judeus".
Outro fator significativo é que os ciganos relacionam sua condição de constante movimento com o faraó, uma coisa que pertence exclusivamente ao povo hebreu. Os documentos mais antigos sobre a chegada dos ROM à Europa constatam sua declaração de haverem sido escravos do faraó no Egito, da qual surgem duas possíveis deduções: ou era parte de sua memória histórica ou era algo que inventaram para ganhar o favor das pessoas - a segunda possibilidade é completamente improvável, posto que esta os identificaria com um só povo, exatamente o mais odiado na Europa e não era certamente a identidade mais conveniente para eleger.

"Observando restos de precedentes migrações egípcias para a Ásia Menor e para os Bálcãs, pensaram que seria proveitoso para eles fazer-se passar por cristãos do Egito, perseguidos pelos muçulmanos ou condenados a perpétuo vagar para expiar sua apostasia”.
Esta foi uma sucessiva "correção" que inventaram depois de haver-se dado conta de que sua versão original da escravidão no Egito sob o faraó era autodestrutiva porque eram etiquetados como judeus. Esta segunda versão é a que o autor considera “a mais antiga menção desta lenda, no século XVI d. c.”, porém a história original é muito mais antiga. Os ciganos nunca disseram que provinham da Índia até que alguns gadjôs no século XX lhes dissessem que haviam estudado muito e que a "ciência" estabelece que eles são indianos.

A convicção do autor de que a pátria original dos ROM era a cidade de Kannauj se baseia simplesmente sobre uma conjectura, reunindo elementos débeis que não provam nada e são facilmente desmentidos pelas evidências que exporei mais adiante. Agora leiamos sua hipótese:
"...uma passagem do Kitab al-Yamini (Livro de Yamin), do cronista árabe Abu Nasr Al- 'Utbi (961-1040), se refere ao ataque do sultão Mahmud de Ghazni à cidade imperial de Kannauj, que concluiu com a pilhagem e a destruição da mesma e a deportação de seus habitantes até o Afeganistão em dezembro de 1018...Sem dúvida, com base em crônicas incompletas que mencionam só algumas incursões na Índia norte - ocidental, não tem sido capazes de descrever inteiramente o mecanismo de tal xodó... descreve uma invasão no inverno de 1018-1019, que chegou muito mais longe para o leste, mais além de Mathuta, até a prestigiosa cidade de Kannauj, 50 milhas a noroeste de Kanpur...No início do século XI, Kannauj (a Kanakubja do Mahabharata e do Ramayana), que se extendia por milhas ao longo do Ganges, era um importante centro cultural e econômico da India setentrional; não só porque os mais instruídos brâmanes da India afirmam ser de Kannauj (como ainda hoje), senão também porque era uma cidade que havia conseguido um alto nível de civilização em termos que hoje definiríamos como democracia, tolerância, direitos humanos, pacifismo e inclusive ecumenismo. Sem dúvida, no inverno de 1018-19, uma força invasora proveniente de Ghazni (atual Afeganistão) capturou os habitantes de Kannauj e os vendeu como escravos. Não foi a primeira incursão do sultão, porém as anteriores haviam chegado só até o Punjab e Rajastão. Esta vez chegou até Kannauj, uma cidade com mais de 50.000 habitantes e em 20 de dezembro de 1018 capturou a população inteira, "ricos e pobres, claros e obscuros [...] a maioria deles eram "nobres, artistas e artesãos", para vendê-los, "famílias inteiras", em Ghazni e Kabul (segundo o texto de Al-'Utbi). Logo, segundo o mesmo texto, Jorasán e Iraque estavam "cheios desta gente" .
O que é que nos leva a pensar que a origem dos ROM tenha que ver com esta deportação?"
Aqui o autor demonstra que não lhe importam minimamente os elementos culturais do povo ROM, mas que está somente interessado em encontrar uma possível origem na India e em nenhuma outra parte. Por conseguinte, muitos detalhes importantes têm sido completamente ignorados. Aqui menciono alguns: - Naquele tempo, a cidade de Kannauj era governada pela dinastia Pratihara, que não eram hindus e sim de etnia guijar, quer dizer, jázaros. Segundo as regras lingüísticas, os termos hindus "gujjar" e "gujrati" derivam do nome original dos jázaros (khazar) através das regras fonéticas comuns destas línguas: os dois idiomas hindus, não tendo os fonemas "kh" ("j") nem "z", os transcrevem como "g" e "j" ("y").
Portanto, se os ciganos eram os habitantes de Kannauj não eram hindus e sim uma etnia muito próxima aos húngaros, aos búlgaros, a uma pequena parte dos judeus ashkenazim, aos bashkires, aos chuvashes e a alguns povos do Cáucaso e do vale do Volga... A designação "húngaros" que lhes é normalmente atribuída em muitos países ocidentais não seria tão errada - mais exata que a definição de "indianos" ou "hindus", em todo caso.

• Se fora certo que os ciganos estiveram sempre na India até o século XI e.c. como afirma o autor, haveriam certamente praticado a religião mais difundida nessa terra, ou de todo modo teriam absorvido muitos elementos do bramanismo, especialmente se ser um braman de Kannauj era um grande privilégio que outorgava tanto prestígio. Sem dúvida, não se encontra o menor vestígio de tradição bramânica na cultura e espiritualidade romani, ao contrário, não há nada mais distante do "romaimôs" (ciganidade) que o hinduísmo, o jainismo, o sikhismo ou qualquer outro "ismo" de orígem indiana.

•O sultão de Ghazni era indubitavelmente muçulmano. O povo que ele deportou se estabeleceu no Afeganistão, Jorasan e outras regiões do Iran. Isto não haveria favorecido a adoção de elementos culturais do mazdeísmo - (zoroastrismo, que são muito evidentes na cultura romani) mas ao contrário, teria contribuído a evitá-los porque os adoradores do fogo haviam sido praticamente aniquilados pelo islã - certamente um povo no exílio não teria adotado uma religião proibida para serem exterminados definitivamente! Portanto, o povo ROM esteve em terras iranianas antes de chegar à India e sua cultura estava já bem definida quando chegaram ali. Existe um só povo que tem exatamente as mesmas características: os israelitas do Reino de Samaria exilados na Média, que conservaram sua herança Mosaica porém também adotaram práticas dos magos (classe social dedicada ao culto do fogo na Pérsia), e só uma coisa não conservaram: seu idioma original (como tampouco os judeus do reino de Jerusalém, já que o hebraico não se falou mais até a fundação do Estado de Israel em 1948 e.c.). Os judeus da India falam línguas indianas, porém são judeus e não indo-europeus.



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