sexta-feira, 16 de março de 2012

A ORIGEM DO POVO CIGANO - PARTE IV

Como eu disse anteriormente, o argumento é interessante, porém não prova nada, pelos seguintes motivos:

•Todas as aclarações que assinalou o autor demonstram que o idioma romaní é gramaticalmente mais complexo que a maioria das línguas faladas na India, o que significa que quando os ciganos estavam na India, muito provavelmente existia um idioma muito mais homogêneo - ainda que não evoluído - para as várias línguas que por lógica linguística adotam formas gramaticais mais simples. Isto sucedeu, por exemplo, com o latim, que um tempo era falado em uma vasta área da Europa e que evoluiu para o italiano, o espanhol, o português, o catalão, o ocitano, o romeno, etc, todos os quais tem uma gramática mais simples.

•Por conseguinte, como foi indicado, todas as línguas hindi ocidentais foram um dia um único idioma, do qual o romanês se separou num período inicial de sua formação. Esta etapa primitiva pode perfeitamente implicar no período hurrita, antes da estadia na India, porém é só uma suposição. O que se deduz em todo caso é que toda a família hindi ocidental, quer dizer, os idiomas do vale do Indo e do Rajastan, são descendentes diretos do suposto idioma "kannauji", o que implica que o romanês não deva necessariamente ter que ver com a zona de Kannauj e possa perfeitamente ter relação com toda a região desde o Kashmir até Gujarat, desde o Sindh até Uttar Pradesh.

•É também certo que toda a região mencionada acima, da qual se supõe provem o romanês, não estava então relacionada com os povos indianos mas com tribos escita-sármatas estabelecidas no vale do Indo e em Sakastan, incluindo Kannauj (que era governada por uma dinastia gujjar) e que tem algo em comum: todas chegaram ali vindas do ocidente! Há evidências irrefutáveis de que os povos da região do vale do Indo eram "sakas" e não arianos.

•O fato de que vestígios do idioma antigo ainda existem na zona de Kannauj não implica absolutamenteque essa seja a terra de orígem, e na história linguística há muitos exemplos:
- no passado o celta era falado em quase toda a Europa, hoje sobrevive em algumas regiões das Ilhas Britânicas e na Bretanha, que não são a pátria original dos celtas.
- tomando novamente como exemplo o latim, o idioma falado mais próximo hoje não é o italiano, mas o romeno, que geograficamente está muito longe do lugar onde o latim nasceu.
- por um tempo em toda a Ucrânia se falava o húngaro e línguas aparentadas, por quase quatro séculos (entre Atila e Árpád), e hoje não há vestígios do húngaro na Ucrânia, mas se fala na Hungria, Transilvânia e áreas circunstantes.
- da mesma maneira, o turco não foi falado na Ásia Menor até fins da Idade Média, e não existe mais em sua pátria de orígem.
- acertou-se que o basco (euskara) se originou no Cáucaso, o extremo oposto da Europa de onde o basco se fala hoje, sem deixar nenhum indício intermediário na longa viagem que os antigos bascos realizaram, e não se fala em nenhuma zona do Cáucaso, onde há sómente línguas aparentadas.
- o único povo que pode ler sem dificuldades as sagas nórdicas no idioma em que foram escritas são os islandeses e feroeses, enquanto que os suecos, noruegueses e dinamarqueses, cujos ancestrais as escreveram, dificilmente podem fazê-lo.
- foi possível decifrar a antiga língua dos sumérios só com a ajuda do húngaro moderno, o que demonstra o quanto é impreciso relacionar uma língua com a área geográfica onde é falada no presente.

Há muitos outros exemplos como os citados, porém estes devem ser suficientes. Ainda há outro argumento que o autor propõe:
"No que concerne à cronologia do êxodo, esta coincide com o período de Mahmud, sendo claro que não pode ter ocorrido antes do século X d. c. porque o romanês apresenta duas características gramaticais importantes que se formaram até o final do primeiro milênio, quer dizer:
a) a formação do sistema posposicional no lugar da antiga e média flexão indiana;
b) a perda do gênero neutro com a assinalação destes substantivos ao masculino ou ao feminino. Como quase todos estes substantivos foram assinalados em romanês aos mesmos gêneros que no hindi (Hancock, 2001:10), se pode deduzir que este fenômeno se verificou quando o romanês ainda era falado em solo indiano. Portanto, o romanês se separou de outras línguas indianas só depois destas evoluções ."
O que o autor não leva em consideração é o seguinte: não havia um idioma indiano unificado, mas existia um caráter distintivo entre a região escita-sármata e a região ariana. Ademais:

a) a posposição é uma característica típica das línguas escito-sarmáticas;
b) só os gêneros masculino e feminino existiam na variante do "antigo indiano" falado no vale do Indo, antes que os brâmanes conseguissem unificar toda a India ou a maior parte dela, portanto, o idioma também foi unificado e logicamente ambas as partes contribuiram. Porém a forma mais simplificada prevaleceu, pelo que o gênero neutro desapareceu da variante ariana. Não era necessário que os ciganos estivessem ainda na India quando o idioma foi unificado.
O resto do estudo escrito pelo autor da "teoria de Kannauj" não tem que ver com a presumida orígem do povo rom mas com alguns dados históricos sobre Kannauj que não são importantes para esta investigação, portanto eu termino aqui os comentários sobre sua hipótese e começo a expor outros aspectos da cultura romaní que são certamente mais importantes que o idioma e demonstram que os ciganos não tem nada em comum com nenhum povo da India, nem no presente, nem no passado. Os aspectos que apresentarei aqui não podem ser explicados pelos sustentadores da teoria da orígem indiana.

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