sábado, 12 de maio de 2012

mães de santo - matriarcado do candomblé - parte 3

Tia Massi

Na sua época, Maria Júlia Figueiredo chegou a ser uma mulher de grande influência, principalmente entre a população negra da cidade. Esse poder fica nítido pelos títulos que ela possuía, resgatando organizações africanas onde as mulheres exerciam papéis importantes. Maria Júlia era uma Erulu, cargo máximo das mulheres na Sociedade Ogboni, que segundo Renato da Silveira funcionava como um poder moderador da sociedade civil yorubá. Maria Júlia era também uma iyalodé, o cargo máximo de uma mulher numa importante associação feminina que existiu nos reinos de Ibadan e Abeokutá. Mas isso não é tudo, ela também era a provedora-mor da Devoção da Nossa Senhora da Boa Morte, fundada na Irmandade dos Martírios, e a yalaxé da Gueledé, um culto feminino às grandes mães do qual ainda se encontram resquícios nos terreiros mais antigos.
Conseguir falar com uma yalorixá da Casa Branca é uma tarefa árdua. Discretas ou desconfiadas? Não é possível saber, mas, certamente, como pioneiros que foram, os membros dessa casa conheceram muitos períodos difíceis e enfrentaram perseguições, o que pode explicar a opção pelo silêncio. Quem olha para o terreiro hoje em dia, num lugar acessível, terá dificuldades para entender o que essas mulheres enfrentaram para manter a sua roça. Por volta de 1938, quando esteve no Brasil, a antropóloga Ruth Landes foi levada até lá pelo etnógrafo Edison Carneiro, para uma festa de Oxalá. Em seu livro “A Cidade das Mulheres” ela narra o que viu: “O lugar ainda parecia uma mata e, quando o bonde parou ao pé do alto morro onde ficava o templo, pude apenas ver árvores imensas que se elevavam contra o céu claro”. Uma das histórias mais impressionantes sobre a violência contra os candomblés baianos é a da mãe-de-santo Nicácia, presa pelo Conde da Ponte, apesar de prestígio que possuía, de já ser uma senhora e do defeito físico na perna. No trajeto do Cabula até a prisão, onde hoje é a Câmara Municipal, ela foi acompanhada por uma multidão. Nessa época, ter prestígio entre alguns brancos podia ser motivo suficiente para a perseguição.
“Ela é muito discreta, fala pouquíssimo e é de uma sutileza e inteligência incomuns”, conta Ordep Serra, sobre a atual yalorixá da Casa Branca – Mãe Tatá – e exemplifica: “Você pode entrar e sair de uma festa sem perceber que ela é a mãe-de-santo. Ela é simples e tranqüila”. A segunda mulher mais importante num terreiro é a mãe pequena e muitas delas tornaram-se depois mães-de-santo. Em seu livro, Ruth Landes deixou um retrato vívido de uma das mães pequenas da Casa Branca, Mãe Luzia: uma mulher enorme, vigorosa e confiante, que conseguiu estabilidade financeira vendendo carnes no mercado, além de adornos e objetos do culto. Quando Landes a conheceu, Luzia tinha recentemente se tornado viúva, depois de um período longo de vida a dois. Filhos, ela só teve os de santo, o que já significava muito trabalho, como lhe contou Edison Carneiro: “Juntamente com a mãe, ela toma todas as decisões de importância para o templo. Além disso, ouve as lamúrias de inúmeros clientes e resolve os seus casos. Eles lhe pagam pelo serviço, mas ela destina boa parte do dinheiro para a manutenção do templo”, registrou Landes.
Pessoas de todas as casas sempre se referem com muito respeito à Casa Branca, inclusive porque foi ali que muitos se iniciaram. Em 1982, veio o reconhecimento – tardio, mas importante – com o tombamento da Casa Branca como patrimônio da humanidade. No dia da inauguração da Praça de Oxum, representantes de outros terreiros fizeram questão de comparecer e prestar as suas homenagens ao Ilê Axé Iyá Nassô Oká, também conhecido como Sociedade Beneficente e Recreativa São Jorge.
Mãe Menininha. O terreiro do Gantois dispensa apresentações. Ele está entre as “grandes casas, as casas importantíssimas”, como diz o ensaísta Waldeloir Rego, que se define como um estudioso de assuntos antropológicos. Ele acrescenta ainda: “Essas casas não são grandes e importantes porque são do tamanho de um supermercado, mas porque tiveram uma linhagem importante de descendentes”. Desde as pioneiras, Maria Júlia da Conceição Nazaré e depois sua filha, Pulchéria da Conceição Nazaré, o Gantois sempre desfrutou de muito prestígio. Duas marcas dessa casa, especialmente desenvolvidas por Maria Escolástica da Conceição Nazaré ou Mãe Menininha – sobrinha e substituta de Pulchéria – são a diplomacia e beleza dos seus rituais, além da seriedade e conhecimento litúrgico, o que sempre lhe garantiu uma multidão de filhos-de-santo, parceiros e admiradores.


A família de Maria Júlia da Conceição Nazaré, ou Omoniquê, veio de Abeokutá. Seu pai, Okarindé, era uma espécie de secretário do rei. Quando Conceição decidiu fundar a sua própria casa, saindo do Ilê Iyá Nassô Oká, manteve a restrição a que os homens ocupassem cargo de chefia e acrescentou o critério do parentesco na sucessão. Sobre Pulchéria, filha de Oxóssi, conta-se que teve um desempenho tão marcante, que corruptelas de Gantois – canzuá e ganzuá – se tornaram sinônimo de candomblé. No tempo de Pulchéria, um dos freqüentadores da casa era o médico Nina Rodrigues, pioneiro nos estudos sobre a cultura negra no Brasil. Mãe Menininha também conquistou muito respeito, tanto entre o povo, quanto entre figuras ilustres. Era procurada e admirada por pessoas como os médicos João Mendonça e Hosannah de Oliveira, artistas famosos, como Caetano Veloso e Maria Bethania, além de políticos e intelectuais.

Mãe Menininha do Gantois 

Mãe Menininha ainda não tinha um ano de idade quando foi iniciada e também assumiu cedo a chefia da casa, com apenas 28 anos. Quem a conheceu, garante que conhecimento, bondade, feminilidade e rigor reuniam-se nessa mulher com o mesmo equilíbrio. Ela gostava de definir o Gantois como uma casa de caridade e, de fato, a busca de auxílio e orientação sempre foram motivos que levaram muitas pessoas até lá. Mas outros atributos também contribuíram para a fama do Gantois e de Mãe Menininha. “Ela sempre foi amiga de todo mundo. Educadíssima, tratava todo mundo bem. Parecia até que tinha passado por uma escola pra aprender isso, mas ela nasceu assim. Era uma pessoa diplomática. Por exemplo, se ela estava fazendo o jogo pra você e saía alguma coisa que você não ia gostar de ouvir, ela se via doida. Fazia uma volta danada, pra dizer só mais ou menos, só sugerir a coisa que você não ia gostar”, conta Waldeloir Rego, também conhecido como “pai dos colares”, pelas jóias e colares de iniciação que já fez.
Mãe Aninha 

Ninguém entra para a religião dos orixás pensando em ser mãe-de-santo, pelo menos as pessoas sensatas, explica Mãe Stella. “Porque aí não é algo espiritual, passa a ser uma coisa de superação. No candomblé, a gente não tem que superar o outro, tem que superar a si próprio”, defende ela. E foi o que aconteceu com as líderes de duas das mais importantes e antigas casas da Bahia – o Afonjá e o Cobre – num cotidiano de trabalho, esforço e dedicação contínua ao sacerdócio, porque os ritos tradicionais que se praticam nessas casas são exigentes e, por isso mesmo, fortalecem e educam aqueles que os praticam. No caso do Cobre, que chegou a permanecer fechado por alguns anos, a retomada do funcionamento da casa foi uma convocação espiritual. Quem mais lucra com o trabalho do Afonjá e do Cobre é a própria cidade, que encontra nesses lugares fontes de conhecimento e proteção. Eugênia Anna dos Santos fez uma opção ousada: comprou um terreno para a sua roça num lugar distante e ermo, o Alto do São Gonçalo do Retiro. Para chegar lá, era preciso subir uma ladeira íngreme que o mato praticamente dominava. Mas, em 1910, todos estavam contentes. Depois de passar por vários endereços, o grupo estava finalmente na sua casa definitiva: o Ilê Axé Opô Afonjá. A fundadora do Afonjá, mais conhecida como Mãe Aninha ou Obá Biyi, sabia o que estava fazendo. Filha de um casal de africanos grunci ela foi iniciada pelos nagôs da Casa Branca. Desde quando deixou o antigo terreiro, Aninha sempre buscou congregar boas colaborações e estabelecer parcerias, inclusive, com muitos homens, como o lendário Miguel Sant’Anna, Martiniano Eliseu do Bonfim – que morou muitos anos na Nigéria e a auxiliou a resgatar aqui os 12 Obás de Xangô, os ministros do rei -, ou os intelectuais Donald Pierson, Jorge Amado e Edison Carneiro – que ela escondeu da ditadura de Vargas. O mesmo Getúlio Vargas com quem Aninha conversou quando esteve na antiga capital federal, Rio de Janeiro, em busca de apoio para a sua religião. Como deputado, o seu amigo Jorge Amado conseguiu aprovar uma lei que estabelecia a liberdade de culto no país, que só foi se tornar efetiva na Bahia somente muitos anos depois. No governo de Roberto Santos, em 17 de janeiro de 1976, foi assinado um novo decreto eliminando a necessidade de registro, pagamento de taxa e licença da polícia para o funcionamento dos terreiros.

Martiniano Eliseu do Bonfim

Nessa época, em que o risco de ter a sua casa religiosa invadida pela polícia estava sempre presente, conseguir simpatizantes e boas amizades era uma necessidade. Os contatos com a Igreja Católica também eram freqüentes, como explica Mãe Stella: “Mãe Aninha se integrou na Igreja Católica para ter status, porque quem mandava era o branco e essa era a religião do branco”. Foi na sua época também que se criou a Sociedade Civil Cruz Santa Opô Afonjá. Até os meios acadêmicos se curvaram à sabedoria e força dessa mulher, dona de uma quitanda. Em 1936, ela participou do II Congresso Afro-Brasileiro com uma comunicação sobre alimentação litúrgica. Com a morte de Mãe Aninha, assumiu Mãe Bada, de 1939 a 1941 e, então, chegou a vez de Mãe Senhora, a poderosa filha de Oxum e bisneta de Marcelina Obatossi, que seguiu à frente do Afonjá de 1942 a 1967. Vigorosa e de personalidade forte, ao lado de Menininha do Gantois, Senhora foi uma das mães-de-santo baianas que mais homenagens recebeu em vida e que mais longe levou a sua tradição religiosa. Em 1965, ela foi ao Rio de Janeiro receber o título de Mãe Preta do Ano, no Maracanã. Em Madureira, existe um busto em sua homenagem. Com a ajuda do fotógrafo e antropólogo Pierre Verger, ela restabeleceu importantes contatos com a África, mantidos por seu filho, Mestre Didi. De lá, recebeu o título de Iya Nassô.

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