Mães de Santo – O matriarcado no Candomblé
Mesmo antes de chegar ao Brasil
como escravas, elas já conheciam a violência da guerra entre povos africanos
vizinhos, que vendiam aos traficantes portugueses os prisioneiros vencidos. Mas
elas nunca conheceram o medo. Na África, as mulheres yorubás participavam do
conselho dos ministros, tinham organizações próprias e chegaram a liderar um
intenso comércio que incluía rotas internacionais. Foi por isso que, na Bahia
do início do século XIX, elas conseguiram o que parecia impossível: deram à luz
uma organização religiosa que conciliava tradições de diferentes povos,
resistindo à miséria da escravidão e à perseguição policial. No candomblé, com
diplomacia, inteligência e fé, elas reuniram todos os elementos necessários
para garantir ânimo e auto-estima ao seu povo. O título que receberam expressa
bem o misto de liderança religiosa, chefia política e poder terapêutico que
exercem: mães-de-santo.
Contam os antropólogos, como o professor e ogan suspenso do terreiro da Casa Branca Ordep Serra, que não há registros da existência efetiva do matriarcado em nenhuma sociedade. Ainda que tudo não passe de uma lenda criada por sonhadores, experiências como a do candomblé baiano deixam entrever como seria o mundo governado por mulheres. A liderança feminina nessa tradição religiosa, explica Maria Stella de Azevedo, a Mãe Stella de Oxóssi do Ilê Axé Opô Afonjá, vem de um simples fato: as pioneiras do candomblé, princesas africanas que vieram para a Bahia em fins do século XVIII, criaram o princípio de que as suas casas religiosas só poderiam ser lideradas por mulheres. Uma tradição mantida até hoje nos terreiros mais antigos, como a Casa Branca, o Alaketu, o Gantois, o Afonjá e o Cobre.
Inteligência, energia,
generosidade, iniciativa, conhecimento litúrgico. Cada um dá a sua lista de
qualidades indispensáveis para que uma mulher se torne uma mãe-de-santo ou
íyálorixá. O certo é que a tarefa é repleta de responsabilidades e sacrifícios,
mas, se desempenhada com competência, traz a possibilidade de mudar a realidade
das pessoas que a cercam. Não é à toa, então, que tantas mães e pais-de-santo,
como Mãe Senhora, Mãe Aninha e Mãe Menininha do Gantois, gozam de grande
prestígio, sendo recebidos e visitados por políticos, artistas e intelectuais
de todo o mundo. A escravidão, a pobreza, a perseguição, as surras e as prisões
não foram suficientes para diminuir a altivez, o espírito empreendedor e a
sabedoria dessas pessoas.
ACORDO DIPLOMÁTICO
Os primeiros povos a virem para cá em grande quantidade foram os do grupo cultural banto, principalmente os angolas, que criaram os calundus, uma espécie de candomblé simplificado com duas ou três divindades. Aconteceu aí uma mistura grande com os índios, de quem herdaram o conhecimento sobre ervas, originando os candomblés de caboclo. Também vieram muitos outros povos, sendo que os jejes – ou ewés, de língua fon, do antigo Daomé – eram maioria em Salvador em meados do século XVIII. Angolas e jejes se davam bem e criaram uma espécie de cultura de rua afro-baiana com contribuições de ambas as partes. Uma característica importante das expressões religiosas desses precursores, principalmente dos calundus, era a assistência médica que prestavam à população, acrescenta Silveira.
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