ERNESTO BOZZANO
Penso que este conceito contém a melhor definição que o espírito humano pode formular sobre este problema, pois ninguém ousará contestar que este é um mundo inferior, no qual a dura disciplina do mal é ainda necessária à elevação espiritual do homem, assim como no-lo atestam a História e a psicologia dos povos.
É de todo evidente que, se o Mal não existisse na Terra, ninguém compreenderia o Bem.
Menos evidente não é que a História nos ensina a estimar no Mal, sob todas as suas formas, um instrumento indispensável ao progresso da Humanidade.
Indubitável, finalmente, que, quando um povo atinge o vértice do poderio e da riqueza - coisas que constituem para nós o maior Bem - esse povo não tarda a corromper-se : menoscaba a virtude, degenera, entra em fase decadente.
Lícito é, pois, afirmar, sem receio de errar, que o Mal é o estimulante regenerador, que reconduz ao caminho da virtude, da abnegação, do progresso, a Humanidade recalcitrante.
Por outras palavras : o Mal é o Bem que nós desconhecemos.
Em ouvindo a sua própria condenação, Sócrates dirigiu aos seus juízes estas palavras memoráveis
Essa voz profética do Demônio, que não deixou de se fazer ouvir durante toda a minha vida e a todo o momento, sempre, me desviou do que me pudesse acarretar um mal; hoje que me sobrevém estas coisas, que se podem considerar piores, por que se cala essa voz?
É porque tudo isto que me sucede é um beneficio. Nós nos iludimos quando pensamos que a morte seja um mal.
XVIII Caso - Aqui consigno um episódio premonitório, também referente à guerra, contendo passagens interessantes do ponto de vista das hipóteses reencarnacionista e fatalista.
Provém ele de uma obra publicada na Inglaterra sob o título de - Poems of Claude L. Penrose, with a biographical Preface - editado no intuito de perpetuar a memória de um rapaz de 25 anos, dotado de grande talento e belo caráter, morto em combate, na França.
Cláudio L. Penrose era filho da Sra. H. Penrose, literata assaz conhecida no Reino Unido, autora de contos e romances através dos quais analisa com genial intuição o caráter do filho, desde a infância.
No estudo biográfico por ela preposto aos poemas do filho, lê-se este caso notável de psicometria premonitória
Aos 18 de julho de 1918, o Sr. L. P., amigo da família, informava a Senhora Penrose de que tinha travado relações com uma costureira dotada de excepcionais faculdades clarividentes.
A título de experiência, a Senhora Penrose remeteu ao Sr. L. P. versos de Clough, copiados por seu filho, os quais foram apresentados à clarividente.
Esta, muito atarefada, deixou de os considerar por algumas semanas.
Foi somente a 15 de julho que enviou ao Sr. L. P. uma carta com o resultado da experiência psicométrica, carta que, por diversos motivos, só foi entregue ao destinatário no dia 31 do referido mês.
Fosse como fosse, a carta esteve com o Sr. L. P. alguma hora, antes de Cláudio Penrose ser ferido na frente francesa. Eis como se exprime a clarividente no citado documento: Tenho a impressão de que estes versos foram copiados por um jovem de 25 anos mais ou menos, dotado de talento muito superior 8 sua idade.
Penso que ele pertence à elevada hierarquia social. É também um belo caráter. Oficial de carreira, deve dedicar-se, de preferência, à artilharia.
Se lhe fora permitido sobreviver, faria uma carreira brilhante. Desgraçadamente, se há esta hora não está morto, sé-lo-á dentro em breve, de vez que nada mais lhe resta fazer neste mundo. Será gravemente ferido, para morrer logo depois.
Diga à sua mãe que ele não sofreu e que o papel que tenho nas mãos me permite ver, de modo assaz nítido, que seu filho está feliz.
Os fatos confirmativos desta revelação não se fizeram demorar.
Cláudio Penrose foi ferido na tarde daquele mesmo dia em que a carta chegara às mãos do Sr. L. P.
E no dia seguinte o rapaz expirava, serenamente, sem agonia.
Quando a Senhora Penrose recebeu a lutuosa notícia e invocava soluçaste uma prova de não haver perdido fisicamente o filho querido, recebeu o almejado conforto daquela missiva, que foi acolhida como resposta à sua desesperada súplica.
Tais os fatos. Chamamos a atenção especial do leitor para este conceito: se lhe fora permitido sobreviver, faria uma carreira brilhante e mais se há esta hora não está morto, sê-lo-á dentro em breve, de vez que nada mais lhe resta fazer neste mundo.
Esta última advertência é de molde a lembrar a velha sentença do poeta grego Menandro:
”Os que morrem moços, caros são aos Deuses”
Sentença concordante com a doutrina reencarnacionista, segundo a qual uma morte prematura deixaria supor que o indivíduo tenha assaz progredido para abreviar o estágio de aprendizado na evolução ascendente das vidas sucessivas, e, no caso de mortes infantis, que tenha progredido bastante para suprimir uma provação, mergulhando na Terra com o só fito de se revestir de elementos fluídicos indispensáveis ao corpo astral, desejoso de preparar-se para a seguinte reencarnação.
Do ponto de vista fatalista, mesmo neste caso, como no precedente, convém notar que, se o Espírito de Cláudio Penrose na sua existência pré-natal houvesse elegido a morte num campo de batalha, este fato significaria que a guerra mundial estava preestabelecida com todas as suas conseqüências, no sentido. da fatalidade aplicada às diretivas históricas dos povos.
XIX Caso - Acabarei expondo alguns casos nos quais a análise dos fatos deixa transparecer que o objeto psicometrado serve, algumas vezes, para colocar o sensitivo em relação com a entidade espiritual do seu falecido dono.
Tal como já adverti, essa hipótese não passa de premissa menor de um silogismo, cuja premissa maior é verdade demonstrada; ou seja que, se a influência de uma pessoa viva pode estabelecer a relação do sensitivo com a subconsciência dessa pessoa, também a influência do morto, em objeto que lhe tenha pertencido, deverá ter a faculdade de pôr o sensitivo em relação com o Espírito do defunto.
Ao demais, e de acordo com o que afirmam personalidades mediúnicas, o objeto apresentado a um médium teria outras particularidades além da principal, que é estabelecer a relação entre o médium e o desencarnado, ou seja, atrair o Espírito deste.
Assim é que também contribuiria para estimular as associações mnemônicas no momento da comunicação - ato que implica sempre um processo perturbador, pois que o Espírito tem de pensar pelo cérebro de outrem -, conferindo-lhe a necessária energia para manter-se em relação mediúnica, graças à natureza vitalizaste do fluido contido no objeto.
Finalmente, impediria que o Espírito fosse telepaticamente influenciado por outros Espíritos, ou mesmo por encarnados presentes à sessão.
Eis, aí, afirmativas concordes, de personalidades mediúnicas, que se manifestaram pelas Sras. Piper, Thompson e Chenoweth.
Neste caso admirável da identificação do jovem Bennie Junot (Piper), ele dirige-se ao pai, dizendo: Papai, lembra-te do meu álbum de provas fotográficas?
Responde-lhe o pai: Sim, Bennie, lembro-me perfeitamente.
E Bennie logo : Pois bem, toma-o e coloca-o lá na mesinha do quarto; assenta-te com a mamãe perto dele e pensem em mim, porque o álbum servirá. para me atrair e facilitar a comunicação. (Proceedings of S. P. R., vol. XXIV, pág. 402.)
E mais adiante: Quando retiram objetos que me pertencem, sinto-me logo confuso e desorientado. (Pág. 582.)
Após estas considerações destinadas a esclarecer o assunto, passo a expor os fatos.
Vejamos este, tomado no Light (1910, pág. 133).
E o general Joseph Peters, de Munique, quem relata nestes termos uma experiência com o médium Alfredo Von Peters:
Entreguei ao médium uma medalha que pertencera à minha falecida irmã.
Quando Peters a colocou sobre a fronte, pensei involuntariamente na falecida e esperava que me falasse dela.
Bem ao contrário, começou por descrever minha mãe, dizendo Vê-la a meu lado e a exibir-lhe dois retratos, dos quais fez minuciosa descrição.
Lembrei-me de que alguns anos antes tinham guardado em uma pasta duas fotografias análogas às descritas, mas não me ocorriam detalhes. Fosse por que fosse, notei que a descrição não correspondia absolutamente aos retratos de meus pais, existentes na minha sala de visitas.
Logo que regressei a casa, procurei as fotografias e verifiquei, surpreso, que o médium as descrevera com perfeita exatidão.
Nitidíssima deveria ter sido a sua vidência, pois abrangera os trajes, o penteado, a posição das mãos e minúcias outras de menor relevo, tal, por exemplo, a cortina que serviu de écran para uma das fotografias.
Mais tarde pude compreender o motivo por que o médium não entrou em relação com o Espírito de minha irmã.
E que a medalha tinha sido feita de uns brincos que pertenceram à minha mãe, e minha irmã, que tivera a idéia de os mandar fundir e transformar em medalha, nunca usou, depois, esta jóia.
Neste primeiro caso não poderíamos, certamente, excluir a hipótese de haver o médium haurido na subconsciência do consulente os pormenores revelados.
Todavia, a circunstância de ele se propor a entrar em comunicação com a irmã e ignorar que a medalha não continha associações fluídicas com ela, torna mais verossímil a hipótese da influência materna contida no objeto, como traço de ligação psicométrica do médium com a falecida.
E aquele Espírito, que exibia ao médium duas fotografias totalmente esquecidas, demonstra a intenção de provar a sua presença real, de acordo com os desejos do consulente, que procurara o médium na esperança de alcançar uma prova valiosa da identificação espírita.
XX Caso - Publicado pelo Journal of the S. P. R. (vol. IV pág. 8). É a Sra. M. A. Garstin que relata o seguinte incidente pessoal:
Tive um estranho caso de identificação espírita, sem o haver provocado. Foi isso há dez anos, quando vim fixar residência em Colorado Springs.
A senhora, em casa de quem eu tomara pensão, era espírita e certa noite me convidou para assistir a uma sessão particular em casa de um amigo.
Ali, estando na localidade há pouco tempo, nenhuma das pessoas presentes me conhecia.
Aberta a sessão, logo após, uma senhora caiu em transe e parecia incapaz de falar.
Sem embargo, por gestos que ela fazia, compreendíamos que a entidade manifestante desejava falar a uma pessoa estranha.
Eu, por minha vez, esforçava-me para compreender a mímica; mas, debalde, até que a médium entrou a imitar os movimentos de alguém que trabalhasse em renda, sobre almofada.
Lembrei-me, então, de uma mulher cingalesa, que conhecera anos antes e cujo nome pronunciei.
Foi o bastante. A médium resvalou da cadeira, prosternou aos pés, beijou-me as mãos repetidamente e manifestou, enfim, num péssimo inglês de pronúncia cingalesa, a sua grande alegria por conseguir, ainda uma vez, testemunhar-me a sua gratidão.
É preciso não esquecer que a médium era uma senhora americana, cuja atitude aos pés de uma inglesa aberrava dos naturais melindres patrióticos.
Também convém não perder de vista o imprevisto de tal manifestação, dado que há uma vintena de anos não me passava pela mente qualquer lembrança da pobre Leho-rainy.
De regresso a casa, só então reparei que levara comigo um enfeite de renda trabalhada pela cingalesa.
Será que esse pedaço de renda tenha servido de veículo ou traço de união para manifestação do Espírito? (Assinado: M. A. Garstin).
Só podemos responder afirmativamente à pergunta final da Senhora Garstin. Não havia dúvida que aquele pedaço de renda foi o agente psicométrico que provocou o fenômeno.
Fica, entretanto, para resolver o problema já suscitado pelo caso precedente, a saber: se a relação se estabeleceu com a subconsciência da Senhora Garstin, ou com o Espírito da cingalesa.
A esse propósito, notarei que se observam, na atitude da personalidade mediúnica, detalhes dificilmente explicáveis pela hipótese subconsciente.
Assim, por exemplo, a circunstância da pronúncia inglesa incorreta, própria da cingalesa quando encarnada, constitui boa prova de identidade pessoal.
A atitude servil traduzida pela genuflexão e o beija-mão, de acordo com os hábitos das classes humildes da Índia em suas relações com os europeus, também constitui boa prova de identidade, tendo-se em vista que o médium, ignorante dos costumes indianos, não se conformaria com essas atitudes, se não impelido pela entidade cingalesa, que se lhe apresentava.
XXI Caso - Extraído de Light (1914, pág. 32). A Srta. Edith Harper conta-nos este caso, ao tratar dos resultados obtidos nos primeiros anos de funcionamento do famoso Escritório mediúnico de William Stead.
Entre os episódios de natureza psicométrica, encontra-se este:
Um indivíduo mandou da Índia uma caneta de madeira, acrescentando que ela pertencera a um filho dele, já falecido.
O sensitivo, Sr. Roberto King, ignorando absolutamente a proveniência do objeto, tomou-o e começou logo a descrever uma criança, cujo retrato esboçou minuciosamente.
A seguir, o Espírito da criança transmitiu-lhe lacônica mensagem destinada ao consulente, que - acrescenta o Senhor King -, está intimamente ligado ao falecido.
Depois, diz o sensitivo: Sinto-me empolgado por uma influencia singular e ouço nitidamente uma voz que repete e insiste numa palavra cuja transcrição fônica é - Shanti.
A mensagem foi encaminhada para a índia e o pai do menino não demorou a responder, gratíssimo, confessando não lhe restar dúvida alguma sobre a autenticidade da comunicação; primeiro, porque ele era, efetivamente, uma criança; e, segundo, porque a descrição feita pelo médium era a expressão maravilhosa da verdade.
Finalmente, a palavra Shanti, que quer dizer: - a paz seja contigo -, era a saudação habitual que o filho lhe dirigia, quando vivo, todas as manhãs.
Neste caso, a circunstância, teoricamente importante, afirma-se no último incidente, ou seja, a audição de um vocábulo que o médium traduz foneticamente, vocábulo este que se verifica, posteriormente, corresponder à saudação que o filho costumava dirigir ao pai.
E um incidente que realiza excelente prova de identificação espírita. Sem dúvida poderíamos objetar que a relação psicométrica se estabelecesse entre o médium em Londres e o consulente na Índia e que, por conseguinte, houvesse aquele se apropriado, na consciência deste, das suas indicações.
Todavia, não deixarei de encarecer que, na interpretação dos fenômenos psicométricos, não é fácil nos descartarmos das regras que os regem.
Ora, uma dessas regras nos ensina que, quando o sensitivo entra em relação com o possuidor do objeto psicometrado, começa por descrever o indivíduo com o qual se relacionou, para chegar depois a desvendar os acontecimentos da vida desse indivíduo, inclusive o meio em que ele se encontrava.
E, quando o objeto foi utilizado por diversas pessoas, o sensitivo percebe entre as diferentes influências aquela que, em virtude da lei de afinidade, se lhe torna mais ativa, enquanto ignora as outras, ou apenas recebe delas impressões secundárias, passíveis de erronias e confusões.
Daí se infere que, no caso em apreço, se o sensitivo houvera percebido na caneta a influência do consulente e com ele entrara em relação, começaria por descrever-lhe a personalidade, para revelar de seguida incidentes da sua vida particular e o meio em que se achava.
Ora, nada disso tendo sucedido, é força convir que o objeto não continha a influência do pai, e, por conseqüência, não podia o sensitivo entrar em relação com ele.
Lógico, ao contrário, é dizer-se que o objeto, por saturado da influência do filho, determinou a relação psicométrica do sensitivo com o desencarnado, o que de resto ressalta dos fatos, com a descrição mediúnica do filho e não do pai.
Chamo finalmente a atenção dos estudiosos para este ponto: psicometricamente falando, seria absurdo insustentável o pensar que a relação possa estabelecer-se com indivíduos cuja influência não satura o objeto psicometrado.
XXII Caso - Encontra-se em Light (1912, página 551).
A Sra. J. L. C., enfermeira profissional diplomada, comunica o seguinte interessante episódio de sua observação pessoal.
Dado a sua profissão, ela expressa o desejo de conservar-se incógnita, mas o seu nome é assaz conhecido pela Direção da revista.
Eis como se pronuncia ela
Sou enfermeira profissional. Há oito anos, necessitando de algum repouso, aceitei a hospitalidade de uma senhora idosa, muito ativa e inteligente, que procurava uma companhia que lhe dedicasse algumas horas diárias.
Em breve nos tornamos muito amigas. Eu sou médium sensitiva, mas, devido à minha profissão, sempre julguei prudente não me ocupar de experiências mediúnicas.
Minha amiga, ao contrário, conquanto não possuísse tais faculdades psíquicas, interessava-se profundamente por esses estudos.
A esse respeito muito conversávamos e acabamos por estabelecer um pacto, no sentido de vir, a primeira que falecesse, dar à outra uma prova da sobrevivência, se Deus tal permitisse.
Há esse tempo comprei, de um velho antiquário, um colar antigo, assaz curioso.
Não tinha ele grande valor venal, pois se compunha de treze pequenas bolas de cobre prateado e outras tantas do mesmo tamanho, fingindo ametistas.
A Senhora Hope ficou encantada com esse colar e passou a usá-lo constantemente, dizendo que não mais mo devolveria. Pouco tempo depois, fui obrigada a sair de Londres para exercer na província a minha profissão.
Só de quando em quando me era dado avistar a minha amiga.
De uma feita que vim a Londres, fui visitá-la, porém ela estava por sua vez ausente de Londres.
A correspondência, entre nós, espaçou-se e, conquanto não arrefecesse a recíproca amizade, os meus encargos não ensejavam lazeres para escrever-lhe.
Certo dia fui levado por uma amiga à casa de um psicômetra de nome Ronald Brailey.
Impressionada com o que ali vi e ouvi, lá voltei algumas vezes. Uma noite de maio de 1910, apresentei ao sensitivo o colar, que, desde logo, pareceu interessá-lo grandemente.
Disse-me que se tratava de objeto antiqüíssimo, saturado de influencia hindus.
Anunciou, depois, que percebia a influencia de uma mulher idosa, a andar de um lado para outro, e perguntou-me se a conhecia.
Como no momento pensasse na Senhora Hope, insisti pela negativa, em face das descrições que me fazia.
Que não, que muito lastimava, mas não reconhecia aquela pessoa.
O sensitivo prosseguia: - É certo se tratar de uma senhora que muito estimastes e vos correspondia do mesmo modo.
Sabia ele, mais, que essa senhora falecera havia dezoito meses ou cerca de dois anos.
E eu a contestar que não a conhecia!
Tomou ele, então, de uma folha de papel e desenhou um retrato de mulher, que me entregou.
Era uma reprodução perfeita do rosto da falecida, melhor que as fotografias por ela deixadas.
Ali estavam os seus traços bem definidos, os penteados habituais, a maneira de cruzar o chalé.
Cardíaca, por natureza, estive a pique de me sentir mal. Mas... ela não morreu... exclamei.
O sensitivo respondeu calmamente: entretanto, sei que ela não está mais neste mundo, e acrescentou: morreu subitamente, talvez de uma apoplexia, perdendo os sentidos antes mesmo do traspasse.
Logo que me foi possível, fui a Kew e procurei informar-me na casa que ela habitava.
A senhora ali residente declarou-me, então, que a minha amiga havia falecido dezoito meses antes.
Esta confirmação me abalou profundamente, por não ter assistido a Senhora Hope em seu leito de morte.
Dirigi-me imediatamente ao médico que a socorrera, no intuito de melhor informar-me, dizendo-me ele que nos últimos meses ela muito emagrecera, fato esse que constituía prognóstico alarmante em se tratando de uma octogenária.
Por fim, atingida por uma congestão, perdera logo a faculdade da palavra e assim permanecera até o desenlace, que se verificou poucos dias depois.
E ajuntou que os últimos momentos foram penosos para os assistentes, por lhes parecer que a paciente queria dizer algo, como que reclamando a presença de alguém.
Apresentei-lhe, então, o esboso do retrato a lápis e disse que havia sido executado de memória por um amigo da falecida. O doutor fitou-o atentamente e disse logo que era de semelhança perfeita, com a só diferença de parecer muito mais moça.
Tal a verdade escrupulosa, a respeito do colar e de minha amiga Hope.
Não sou espírita, devo dizé-lo, guardando em face do problema uma atitude que não é de convicção nem também de incredulidade.
Neste episódio a interpretação espírita ressalta nítida dos fatos e da circunstância em que se encontrava a consulente, ignorante da morte da amiga, assim excluindo a hipótese segundo a qual o sensitivo pudesse psicometricamente haurir na subconsciência da mesma consulente os detalhes relativos a Senhora Hope.
Preciso é, portanto, recorrer à hipótese psicométrico-espírita, segundo a qual a influência da falecida, conservada no colar, serviria para estabelecer a relação com o sensitivo, da mesma forma por que, conforme afirmam as personalidades mediúnicas, poderia contribuir para atrair o Espírito às sessões.
De resto, não devemos esquecer que as duas senhoras haviam sancionado o compromisso da manifestação póstuma, que, evidentemente, a Senhora Hope procurou satisfazer.