terça-feira, 7 de agosto de 2012

Mas afinal, porque Ògún usa Màrìwò?


Na incessante busca do Terreiro de Òsùmàrè em preservar o legado deixado por nossos Ancestrais, publicaremos a medida do possível e do que é permitindo, um pouco sobre a fundamentação da nossa Religião, resguardando-nos, no entanto, do Awó do Òrìsà (mistérios que não podem ser revelados aos não iniciados). Dessa forma, hoje vamos contar a razão do grande Deus G
uerreiro Ògún, ter como sua veste principal o Màrìwò. Antes de tudo, esclarecemos que o Màrìwò é a franja desfiada do broto da Palmeira do dendezeiro, o Igi Ope, uma árvore cercada de mistérios e de importância singular na Religião dos Òrìsàs.

Uma antiga lenda, conta que havia um mercado na cidade de Ire, conhecido por ser um mercado cheio de sofrimento, mas que apesar do sofrimento, o grande Deus da Adivinhação, Orunmilá conseguiu lá a sua prosperidade. Sabendo disso, Òsàlá também almejou a prosperidade, procurando saber com Orunmilá, o que ele deveria fazer para passar pelo sofrimento e conseguir o seu objetivo. Orunmilá recomendou à Òsàlá que fosse ao mercado, mas que tivesse muita paciência, pois assim conseguiria sua prosperidade. Assim Òsàlá o fez. Na primeira ida ao mercado, Òsàlá não encontrou nada, somente um Ìgbín (caramujo consagrado a Òsàlá), cobrando-lhe pedágio. Òsàlá novamente foi ao mercado e não encontrou nada, além do sofrimento e do Ìgbín que novamente lhe cobrou o pedágio. Mesmo a contragosto, Òsàlá recordou-se que deveria ter paciência, caso desejasse a prosperidade. Na terceira vez que foi ao mercado, ele novamente pagou o pedágio ao Ìgbín, contudo, ao invés de sofrimento, ele encontrou uma grande riqueza, o tornando um grande Rei próspero.

Ao saber que Òsàlá havia conseguido sua prosperidade no mercado do sofrimento, Ògún também procurou saber com Orunmilá, como também tornar-se próspero. Orunmilá lhe disse que ele deveria ser paciente e, em hipótese alguma, deveria usar o seu Alada (Facão) e seu Porrete (Kumo). Ògún de posse das orientações de Orunmilá, foi até o mercado do sofrimento, chegando lá deparou-se com um cachorro no portão, cobrando-lhe pedágio para entrar. Ògún achou inaceitável um cachorro lhe cobrar pedágio e, num impulso imediato, pegou seu Alada, ferindo o cachorro até a morte.

Todos gritaram: “Ele matou o Onibode” (o guardião do portão), todos começaram a chorar e, com vergonha, Ògún correu mata adentro, onde havia uma grande plantação de Labelabe (uma planta cortante, chamada em Salvador de Tiririca). As folhas de labelabe cortaram toda a roupa de Ògún. Quando ele saiu da mata, chegando a praça principal da cidade, ele estava completamente nu. As pessoas então gritaram “Ògún Kolaso” (Ogun não se cobre com roupas). Novamente envergonhado, Ògún olhou um Igi Ope, arrancando-lhe o broto e vestindo-se com o Màrìwò. As pessoas, por sua vez, exclamaram: “Màrìwò Asò Ògún-o Màrìwò” (Mariwo é a roupa de Ògún, o Mariwo). Como forma de arrependimento, Ògún desde então, passou a usar o Màrìwò como a sua vestimenta, sendo que as palavras entoadas na ocasião, são cantadas até os dias de hoje, nas festas dedicadas à Ògún, na Casa de Òsùmàrè.

Jamais se esqueçam, devemos sempre ter paciência à busca da prosperidade.

Que Òsùmàrè Arákà esteja sempre olhando e abençoado todos!!!
Ilé Òsùmàrè Aràká Àse Ògòdó

O PRECONCEITO VELADO – O IMPORTANTE É QUE O ORO JÁ ACONTECEU, A FESTA É SÓ FOLCLORE.


A partir de hoje, o Terreiro de Òsùmàrè inicia uma serie semanal de postagem, abordando alguns temas que revelam o preconceito e, muitas vezes, o desconhecimento acerca dos dogmas da nossa religião, partindo dos próprios adeptos. Dessa forma, esperamos contribuir para um melhor esclarecimento e construção de uma
identidade forte, salvaguardado-nos das falas de adeptos desconhecedores do nosso credo religioso.

Quantas vezes não ouvimos a frase acima, dita de forma muito comum por muitos adeptos do Candomblé, não é verdade? No entanto, por trás dela, há dois importantíssimos erros. O primeiro é imaginar que qualquer fragmento dessa linda Religião que é o Candomblé seja folclore. O segundo, e talvez o mais lamentável, é crer que os Òrìsàs são peças de um teatro.

É fundamental frisar que o Orò realizado em honra aos Deuses Africanos, de fato é uma etapa de grandes realizações, sendo que estamos renovando os poderes de transformação (Asè). Contudo, não podemos, em momento algum, acreditar que a cerimônia pública é um ritual de menor importância, muito pelo contrário. As Festividades (Ajòdún) são momentos de grande confraternização, comunhão e, principalmente vitalizam o Asè. São nas cerimônias públicas que o Candomblé mostra o seu grande diferencial em relação às outras religiões, onde os nossos Deuses manifestados em seus filhos, presencialmente abençoam e festejam em regozijo. 

São nas cerimônias públicas que ocorrem momentos célebres na vida de muitas pessoas, como a consagração pública de um Sacerdote. São nas cerimônias públicas que os Òrìsàs indicam um Ògán ou uma Ekeji, que a partir daquele momento, muitas vezes, dará o seu primeiro passo na Religião dos Deuses Africanos.

Dessa forma, não podemos em hipótese alguma, acreditar que num momento tão sublime, em que podemos desfrutar da presença dos Deuses em que acreditamos, considerá-lo como um folclore. Todas as etapas do Candomblé, por mais simples que possam parecer aos olhos de muitos, tem um significado fundamentado, que devem ser sempre consideradas como a nossa Religião e, jamais como folclore.

Que Òsùmàrè Arákà esteja sempre olhando e abençoado todos!!!
Ilé Òsùmàrè Aràká Àse Ògòdó

Porque as Pessoas Antigas do Candomblé Emborcam o Copo após Beber? Mania de Gente Antiga, ou Conhecimento da Religião?


É muito comum, sobretudo em Salvador, observamos os antigos membros do Candomblé emborcarem o copo após terem bebido qualquer coisa. Muitas pessoas acham que é mania de gente antiga, mas porque eles fazem isso?

Uma antiga história Nago, diz que Ògún viajou por longos sete anos, 
desbravando novas terras. Ao retornar para a sua cidade, Ire, ninguém o reverenciou, pois estavam em voto de silêncio que durariam sete dias. Além do silêncio, ficariam em jejum, razão pela qual, esvaziaram todas as vasilhas que continham água, para evitar olhar para o líquido, o que lhes daria mais vontade de beber.

Ogun ficou muito irritado, pois ninguém o reverenciou e, ao ver muitos copos, começou a procurar algo para beber e saciar sua sede. No entanto, todos estavam vazios, afinal toda a população ficaria em jejum por sete dias. Sem conseguir imaginar a razão daquilo, Ogun cometeu um grande ato violento contra aquelas pessoas, dizendo que ninguém o reverenciou e ninguém deixou nada para que ele pudesse beber. Seu Pai, ao chegar e ver o que Ogun estava fazendo, o advertiu, lembrando que todos estavam em voto de silêncio, razão pela qual as pessoas não o cumprimentaram e, todas as vasilhas estavam vazias, sendo que eles estavam de jejum. 

Em lembrança dessa história, as pessoas na casa de Candomblé, após beberem, viram o copo, para que Ògún saiba que eles estão vazios, não despertando a sua ira.

Que Òsùmàrè Arákà esteja sempre olhando e abençoado todos!!!
Ilé Òsùmàrè Aràká Àse Ògòdó

O Preconceito Velado – Olúgbàje, Você Aceita a Comida do Dono da Terra?


Em continuidade as postagens da Série “O Preconceito Velado”, abordaremos hoje um pouco sobre uma das mais importantes cerimônias do Candomblé, o Olugbajé. Esse tema mostra-se bastante oportuno, sendo que esse ritual na grande maioria dos Terreiros de Candomblé ocorre no mês de agosto, que se inicia essa semana. 

Bom, antes 
de tudo vamos entender um pouco sobre o significado da palavra que dá nome ao ritual. A palavra Olúgbàje, por si só, já explica o grande objetivo dessa cerimônia: “Olú” (Senhor/Chefe) – “Gbà” (Aceitar/Receber) – “Je” (Comer/Comida), ou seja, “Aceite/Receba e Coma a Comida do Senhor/Chefe”. Nesse caso, o substantivo “Olú – Senhor” alude a um dos nomes do grande Òrìsà da Terra, Obaluwaiye, também chamado de Oluwaiye, que é o Deus homenageado nessa cerimônia.

É uma festa cheia de mistérios e liturgia, na qual, as comidas de Obaluwaiye depois de abençoadas, são distribuídas em folhas aos presentes. Aqui em Salvador, essa é uma festa muito esperada pela população das Comunidades do Candomblé, sendo que todos querem apreciar a comida desse querido e importante Òrìsà, pedindo, sobretudo, proteção contra os males que acometem a saúde. Essa cultura é tão forte, que muitos Omo Òrìsà vão a diversos Olúgbàje, só para comer a abençoada comida de Obaluwaiye. 

No entanto, muito provavelmente pela falta do conhecimento acerca da cerimônia, há pessoas que, ao invés de comer, passam a chamada “folha” no corpo, como se fosse um Ebó, depositando-a no balaio, sem provar sequer uma das deliciosas comidas do Rei da Terra. Isso não pode ser feito, pois é uma recusa à oferta de Obaluwaiye.

Dessa forma, devemos aceitar a comida e comungar em regozijo, pedindo proteção ao Grande Òrìsà dono da Terra e harmonia em nossas casas. As comidas do Olúgbàje são especiais, feitas com carinho, amor, dedicação e devoção. São, principalmente, abençoadas pelo Òrìsà, razão pela qual não podem ser descartadas.

Nesse mês de agosto, não tenha medo, não perca a oportunidade de provar as comidas abençoadas por Obaluwaiye, visite um Terreiro e aprecie com devoção a comida do Olúgbàje. 

Que Òsùmàrè Arákà esteja sempre olhando e abençoando todos!!!
Ilé Òsùmàrè Aràká Àse Ògòdó

A Importância de Èsù na Porteira dos Terreiros


Já falamos nesse espaço sobre a importância de jogarmos água à rua, por exemplo quando chegamos na Casa de Candomblé. Na ocasião, explicamos que estamos pedindo licença aos donos da Porteira, em especial à Èsù. Hoje vamos falar um pouco a razão da existência de Èsù na porteira, tendo obviamente, todo o cuidado de não explanar aquilo que não é permiti
do, o chamado mistério da nossa religião.

Uma história Nago conta que havia um grande sábio, que em razão do seu surpreendente conhecimento era invejado por muitos, até mesmo pala Morte (Iku) e pela Doença (Arun). Ao saber disso, esse grande sábio consultou um Babalorisa, intentando saber o que fazer para afastar um possível mal à sua integridade física. O Deus da Adivinhação, por meio do jogo, disse que ele seria atacado por Arun (a doença) e em seguida por Iku (a morte) e que para conseguir escapar, ele deveria realizar uma oferenda à dois Èsù, colocando um na entrada principal da sua casa e outro na entrada dos fundos. Assim o sábio fez, com o auxílio do Sacerdote.

No dia seguinte, Arun foi à casa do sábio e, ao chegar na porta de entrada, deparou-se com Èsù. Arun disse: “Me dê licença Èsù, pois quero entrar”. Èsù, que havia recebido as oferendas do sábio, disse à Arun que não permitia a sua entrada, que desse meia volta. Arun no entanto, não se deu por contente e tentou entrar pela porta dos fundos, mas lá, o outro Èsù também não deixou Arun entrar. Iku, fez o mesmo que Arun e não conseguiu entrar na casa do sábio. 

Desde aquele dia, Èsù está na porteira dos sábios, evitando que coisas negativas entrem.

Que Òsùmàrè Arákà esteja sempre olhando e abençoando todos!!!
Ilé Òsùmàrè Aràká Àse Ògòdó