segunda-feira, 2 de julho de 2012

MEDIUNIDADE DE CURA POR RAMATIS

A antiguidade do fenômeno mediúnico e sua comprovação bíblica 


PERGUNTA: - Alguns membros e adeptos de outras instituições espiritualistas, como o Esoterismo, a Teosofia, a Rosa-cruz ou a Ioga, censuram o Espiritismo por ter popularizado demais a prática mediúnica. Alegam que isso vulgariza o intercâmbio espiritual com o mundo oculto, o qual só deveria ser efetuado em ambientes iniciáticos, sem as confusões, os exotismos, as mistificações e interferências anímicas de médiuns incultos e indisciplinados. Afirmam que isso também contribui para ridicularizar o esforço dos mentores espirituais em sua delicada tarefa de esclarecer os encarnados. E que o Espiritismo deveria ser doutrina exclusivamente filosófica, sem difundir o intercâmbio mediúnico entre um público ainda ignorante ou apenas curioso. Que dizeis? 

RAMATÍS: - A mediunidade não foi inventada pelo Espiritismo. É tão velha quanto o homem, pois é uma faculdade oriunda do espírito e não da matéria. 1 Portanto, existe desde que a primeira criatura (espírito encarnado) surgiu na Terra e os centros nervosos do seu corpo apuraram a sensibilidade dos seus sentidos. Então, o homem primitivo transformou-se em um instrumento que, pouco a pouco, apuraria as suas faculdades que o ajustariam a ser um traço-de-união entre o mundo oculto e o mundo físico. 

1 - Vide Apresentação, capítulo inicial da obra "Grandes Vultos da Humanidade e o Espiritismo", de Sylvio Brito Soares, edição da Federação Espírita Brasileira. 

É evidente que essa sensibilização do sistema nervoso do homem contribuiu para que as entidades do mundo invisível o utilizassem como veículo para se estabelecer um intercâmbio entre os dois planos. 

No entanto, embora a criatura ignore, ela pressente que o seu aperfeiçoamento "psicofísico" depende muitíssimo da assistência e pedagogia do mundo espiritual. A Humanidade tem sido guiada desde sua origem por leis do mundo oculto, que atuam com profunda influência no ser humano. Todas as histórias, lendas, narrativas de tradição milenária do vosso orbe estão repletas de acontecimentos, revelações, fenômenos e manifestações extraterrenas, que confirmam a existência da mediunidade entre os homens das raças mais primitivas. 

A própria Bíblia, que serve de argumento tradicional para os sacerdotes combaterem o Espiritismo, é entremeado de relatos e acontecimentos próprios do mundo oculto, nos quais intervêm anjos, profetas ou entidades sobrenaturais. Qualquer tribo, raça, povo ou civilização do presente ou do passado ainda conserva no seu folclore a tradição vivida por gênios, fadas, gnomos, deuses, silfos, bruxas, ondinas, salamandras, nereidas ou seres exóticos, que se divertem no mundo invisível e tanto ajudam como hostilizam a vida dos homens. Antigamente havia tratados sibilinos, métodos ocultos e práticas de magia sublime ou repulsiva, que os magos consideravam os processos mais eficientes para o homem entrar em contacto com os habitantes do mundo invisível. A magia a era praticada junto aos rios, ao mar, no campo e na mata virgem, pois a Natureza sempre foi o palco adequado para desenvolver a vontade, a coragem e o espírito curioso ao ser humano. 

Entretanto, os fenômenos mediúnicos já se generalizaram de tal forma, no século atual, que se manifestam tanto aos homens que os desejam ou procuram, como entre aqueles que os detestam ou os temem por manifestações diabólicas. Malgrado o prestígio da Ciência acadêmica do vosso mundo, os cientistas terrenos já não podem fugir à contingência imperiosa de estudarem a mediunidade, cada vez mais atuante no seio da humanidade terrena. Em países mais cultos, já se efetuam pesquisas e estudos sérios no gênero, embora ainda sob o rótulo de "parapsicologia", nomenclatura que atende aos superficialismos da vaidade acadêmica. 

PERGUNTA: - E que dizeis quanto à possibilidade do estudo do fenômeno mediúnico nas faculdades médicas do Brasil? 

RAMATÍS: - O Brasil ainda está condicionado à influência obsoleta do Estado do Vaticano, representado pelo Clero Romano, ávido de bens terrenos e bastante influente na política e administração pública do país. O cientista brasileiro só em casos raros acha-se liberto da prerrogativa religiosa ou do preconceito acadêmico, desinteressando-se de submeter o fenômeno mediúnico ao estudo das faculdades superiores. Mas a verdade é que a ciência do mundo não poderá fugir à sua própria missão de sanear a prática da fenomenologia mediúnica, no futuro, quando os laboratórios também ajudarão a selecionar os médiuns verdadeiros e os charlatões, histéricos, mercenários ou enfermiços, que por vezes, lideram movimentos no seio do Espiritismo, mas sem possuir as credenciais exigidas para a tarefa. 

E quando o fenômeno mediúnico se impuser definitivamente à ciência profana, os médiuns também se livrarão da tradicional excomunhão dos próprios sacerdotes, que irritados pela mensagem sensata e inconfundível do Espiritismo, ainda confundem o século XX com a época sombria da Inquisição, quando queimavam ciganos, bruxos ou esoteristas a guisa de afilhados de Belzebu! Considerando-se que o Criador permanece integrado em toda sua obra, é evidente que Ele também opera através da ciência do mundo material como um dos recursos benfeitores para a mais breve felicidade de seus filhos. 

PERGUNTA: - Mas é evidente que o despertamento do "homem interno" pela disciplina esotérica e a exigência moral superior que formam as bases da iniciação nos templos iniciáticos são dignas de acatamento. Não é assim? 

RAMATÍS: - Embora louvando a iniciação tradicional que, desde épocas remotas, gradua o discípulo estudioso e disciplinado ara receber o seu mestre ou "guru", no momento de seu despertamento espiritual, devemos advertir que a humanidade terrena atingiu atualmente o período do seu mais grave e doloroso reajuste cármico. O século apocalíptico em que viveis e a época profética do "Fim dos Tempos" reclamam abertura de todas as portas dos templos iniciáticos, pois o fenômeno mediúnico generaliza-se à luz do dia e se manifesta cotidianamente a todos os homens, independente de raça, casta, cultura ou situação financeira. 

Quando o Alto convocou o espírito hábil, genial e laborioso de Allan Kardec, para codificar a doutrina espírita e disciplinar a prática mediúnica, já tencionava livrá-las dos sortilégios, das invocações lúgubres, das posturas melodramáticas, dos compromissos ridículos, da magia exaustiva e dos ritos extravagantes. Ainda no século passado só os iniciados mais felizes sabiam manipular os ingredientes mágicos e promover o "suspense", destinados a proporcionar o clima favorável para se manifestarem as entidades do outro mundo. Depois de exaustivos rituais e cantilenas cabalísticas, longo desperdício de tempo, emprego de drogas misteriosas e uso de instrumentos exóticos, eles então conseguiam algumas fugazes materializações de "larvas" ou entes do astral inferior, que se moviam e flutuavam à guisa de fenômenos importantes e assustadores. Sem dúvida, houve magos que também puderam vislumbrar algumas almas elevadas e seres resplandecentes, mas isso não lhes aconteceu por força dos ritos ou das práticas extravagantes, porém, devido ao seu próprio caráter nobre e à sua melhor graduação espiritual. 2 

2 - Nota do Revisor: É o caso dos velhos magos do passado, como Eliphas Levi, Papus e outros, que em sua época condenavam veementemente o Espiritismo, conforme se pode verificar à página 162, da obra"A Chave dos Grandes Mistérios", que diz: já desde muito tempo esta doutrina (espírita) ou antidoutrina, prepara o mundo para precipitá-lo numa anarquia universal. Porém, a lei de equilíbrio nos salvará e já começou um grande movimento de reações. Na página 187, lemos: Os médiuns são geralmente pessoas doentes e acanhadas. Ainda na página 189, consta o seguinte: Quem sabe quantas catalepsias, tétanos, loucuras e mortes violentas foram produzidas pela mania das mesas girantes? 

Eliphas Levi, Papus e outros mestres da velha magia advertiam as pessoas de cérebro fraco para não lidarem com fenômenos ou forças ocultas, nem cultivarem idéias macabras, ante o perigo de formarem clichês mentais ou idéias fixas, estratificadas no cérebro pelo medo ou pela fascinação mórbida. No entanto, eles mesmos publicaram obras repletas de figuras teratológicas e de imagens demoníacas, passíveis de causarem graves perturbações aos seus leitores mais sugestionáveis. 

Aliás, as próprias autoridades eclesiásticas da Igreja Católica também são muito imprudentes quando citam as imagens horripilantes e repulsivas do temido reino de Satanás, pois criam na mente dos próprios católicos os estigmas dessas idéias enfermiças, fruto do medo e do terror do Inferno. Comprovando os nossos dizeres, aconselhamos os leitores a consultarem a obra mediúnica "Ação e Reação", ditada por André Luiz a Chico Xavier, capítulo Iv, principalmente o trecho entre as páginas 50 e 52, quando os espíritos socorrem uma infeliz desencarnada, em cuja mente conturbada enraizara-se a figura do demônio Belfegor, que tanto a apavorara durante a sua existência carnal. Realmente, o demônio Belfegor é uma pintura executada por certo pintor, a pedido de clérigos católicos, com a finalidade imprudente de impressionar os pecadores. No entanto, essas figuras satânicas ainda mais contribuem para o desequilíbrio mental e terror incontrolável dos fiéis católicos que, depois, atravessam o túmulo completamente apavorados por essas convicções afirmadas pela sua religião. 

PERGUNTA: - Sem desmerecermos as vossas considerações, cremos que o Espiritismo não é de muito interesse para a ciência acadêmica, uma vez que a mediunidade é fenômeno exclusivo do mundo oculto. 

RAMATÍS: - Embora o fenômeno mediúnico seja manifestação intrínseca do mundo espiritual invisível, ele se manifesta entre os homens de acordo com a sensibilidade, a cultura, a moral, a capacidade nervosa e a dependência do compromisso assumido pelos médiuns antes de se encarnarem. No entanto, a sua técnica nas relações entre os "vivos" e os "mortos" poderá melhorar consideravelmente, assim que houver maior cooperação da própria ciência terrena, ajudando a eliminar as excrescências mórbidas e os fatores nocivos e ridículos do falso mediunismo. Aliás, inúmeros cientistas e homens de letras, desde o aparecimento do Espiritismo, já contribuíram salutarmente para livrá-lo de muita superstição e ritos indesejáveis. 3 

3 - Nota do Revisor: Entre eles destacamos Gabriel Delanne, Ernesto Bozzano, Aksakof, de Rochas, William Crookes, Oliver Lodge. No Brasil, deve-se distinguir o movimento do Espiritismo, quanto à manutenção dos princípios kardecistas. 

É certo que, atualmente, já não existem as fogueiras da Idade Média, quando as autoridades eclesiásticas torravam os médiuns por considerá-los feiticeiros mancomunados com o Diabo; mas, infelizmente, ainda permanecem acesas as chamas do sarcasmo, da calúnia, do despeito e da injúria! Num extremo, os cientistas envaidecidos pelos seus pruridos acadêmicos atacam os médiuns e clamam contra o perigo de uma psicose espirítica coletiva; noutro lado, o sacerdócio organizado os excomunga de seus púlpitos, injuriando-os diante da imagem do próprio Jesus, que foi um defensor do amor incondicional! 

Mas ninguém poderá deter a marcha evolutiva do Espiritismo, pois os bons médiuns de hoje já dominam os mesmos fenômenos que antigamente exaltavam os profetas, os oráculos, as pitonisas, os astrólogos, as sibilas e os magos. Graças, pois, ao espírito sensato, laborioso e inteligente de Allan Kardec, as relações mediúnicas entre os encarnados e os desencarnados já se efetuam desembaraçadas das complicações, das verborragias e dos desperdícios de tempo, que eram essenciais à velha magia. 

Acresce, ainda, que o homem do século XX vive cada vez mais desesperado e descrente da possível ventura no mundo material, cujas dificuldades e desventuras avolumam-se dia a dia, arrasado pela angústia e pelo temor da guerra atômica! As estatísticas terrenas comprovam o aumento constante de neuróticos e desequilibrados, malgrado o avanço espetacular da ciência moderna lançando satélites e foguetes interplanetários, e do progresso técnico da Medicina, capaz de transplantar rins e outros órgãos, mudando-os de um organismo para outro. 

O terrícola já não esconde o seu desânimo e a sua decepção quanto a melhor sorte na crosta do seu mundo físico. Ele sente falta de um ritmo confortador e tranqüilo que só pode ser proporcionado pela paz espiritual duradoura; o que jamais ele conseguirá pela ciência acadêmica ou pelas religiões ainda sob comando de outros homens, também infelizes e até descrentes do que predicam em público. Eis por que o século em que vos encontrais é realmente o clima eletivo para a divulgação e receptividade de uma doutrina tão sedativa e confortadora quanto o Espiritismo, que orienta a prática de um mediunismo sadio, sem ritos exaustivos ou práticas misteriosas. 4 

4 - Nota do Revisor: Realmente, consultando a Magia Prática de Papus, desde o capítulo XII até ao XVII e a "Conclusão" final, verificamos que o mestre escreveu longamente sobre os métodos, ritos, objetos e arrazoados cabalísticos, para, depois, lograr um insuficiente contato com o Invisível. Na referida obra enumeram-se espadas, estiletes, bastões, xícaras, tinteiros, queimador de ervas, velas, sal, tinta mágica, giz, rolos de cordas, calças, sapatos, meias e avental branco, tudo isso acompanhado de fórmulas químicas, talismãs com símbolos astrológicos e hieróglifos misteriosos, além de extensas citações de grego e latim. Depois do banho purificador à base de essências" crismadas", das posturas dramáticas dentro do círculo de corda ou de giz, das esgrimas de espadas revoluteando no ar sob o eco das frases cabalísticas e "mantrans" de vibração mágica, então se desenhava, por vezes, na penumbra do aposento consagrado, alguma forma horripilante, ameaçadora ou mesmo triste, que Papus depois aponta em suas obras sob as mais graves e severas reflexões. 

Não temos o direito de condenar esses brilhantes magos do passado, que ainda recorriam aos fumigadores, à queima de ervas aromáticas e aos ritos fatigantes sob as influências astrológicas favoráveis, a fim de obter uma "pitada" de ectoplasma exsudado do próprio corpo etérico da Natureza. Sem dúvida, naquele tempo, eles não podiam prever o sucesso do médium de "fenômenos físicos", que no século XX pode fornecer ectoplasma de sua própria intimidade etérica, e assim produzir os fenômenos de materializações, voz direta, transporte, levitações ou intervenções cirúrgicas sob o comando dos espíritos desencarnados. E o mais importante é que, atualmente, não se manifestam apenas as entidades lúgubres, ameaçadoras ou indesejáveis, mas os homens também entram em contacto com os seus familiares falecidos e com as entidades de excelente estirpe espiritual, cujas fulgurações e luzes siderais comprovam sua elevada origem. 

PERGUNTA: - Onde tiveram início as primeiras manifestações da mediunidade e qual foi o povo que primeiramente as revelou ao nosso mundo? 

RAMATÍS: - Ás civilizações como as da Atlântida, Lemúria, China, Hebréia, Egito, Pérsia, Caldéia, Cartago, Assíria, Grécia, Babilônia, Índia, Germânia ou Arábia, comprovam, pela sua histona, lendas ou pelo seu folclore, que os fenômenos mediúnicos surgiram em todos os recantos do orbe terráqueo, quase ao mesmo tempo e sem privilégios especiais. Eles se manifestaram em todos os agrupamentos humanos. A fenomenologia mediúnica foi evidenciada até nos objetos e nos propósitos guerreiros desses povos primitivos, tendo-os influenciado seriamente, embora a sua realidade esteja velada pelo simbolismo das tradições lendárias. 

Os escandinavos. principalmente os "vikings", narram os seus encontros com deuses, bruxas, sereias e entidades fascinadoras, que surgiam das brumas misteriosas perseguindo-os durante as noites de lua cheia. Na própria música desse povo transparece a tonalidade da indagação oculta ou expectativa fantasiosa cujas melodias sugerem coisas incomuns e surpreendentes à vida do homem físico. 

As histórias e as lendas musicadas por Wagner em suas peças sinfônicas ou óperas magistrais confirmam o espírito de religiosidade e a crença no mundo invisível por parte dos povos germânicos e anglo-saxões. Eles rendiam sua homenagem aos deuses, aos gênios, aos numes, e os consideravam habitantes de um mundo estranho muito diferente do que é habitado pelos homens. 5 

5 - Nota do Revisor: Realmente, os temas fundamentais das óperas musicadas por\Vagner são todos estribados em acontecimentos sobrenaturais, traindo em seu profundo simbolismo iniciático ou religioso a existência de um mundo espiritual. A Cavalgada das Walkírias, por exemplo, conta a história das deusas que recolhiam os guerreiros germânicos nos campos de batalha e depois os levavam para o Walhala, ou seja, ao reino da Glória! 

Em Siegfried, o herói busca a verdade, vence o dragão, símbolo da natureza inferior do homem, e mais tarde destrói Mine, personagem conhecido no rito iniciático como o corpo denso ou a matéria ilusória. O tema em sua profundidade adverte que o poder do espírito só pode ser conseguido depois de ele dominar a carne, ou seja, o instinto animal. Em Crepúsculo dos Deuses, Wagner trata de um assunto profundamente análogo ao Apocalipse, de João Evangelista, lembrando a expectativa da seleção da Humanidade na hora cruciante do Fim dos Tempos. Tannhäuser conta a história da alma imperfeita encarnada pelo herói principal da obra, enquanto Elisabeth, a heroína da peça, simboliza a alma pura proibida de ligar-se ao amor impuro humano e maculado pelos estigmas das paixões do mundo material. Mas é o Lohengrin, uma das mais belas composições wagnerianas, a obra musical de maior expressão iniciática, cujo resumo, já no prelúdio do 1º ato, revela a mensagem de ascensão espiritual do ser a outros mundos superiores. 

Lohengrin, o magnífico cavaleiro, surge deslizando à superfície do lago tranqüilo, conduzido por majestoso cisne branco, decidido a salvar Elsa, vítima de Telramund, o símbolo do Mal. Aliás, o cisne branco e imaculado representa um dos símbolos mais eletivos da iniciação espiritual, ave que dominou os diversos elementos da vida física, pois ela nada majestosamente sobre a água ou submerge o seu longo pescoço para explorar o leito do rio; vive também à superfície sólida ou voa seguramente. Ela domina a terra, a água e o ar, simbolizando o próprio espírito depois que se despoja das ilusões da matéria para viver somente no reino da Glória! O tradicional canto do cisne ainda simbolizava antiga iniciação, o juramento do discípulo despedindo-se, em definitivo, dos tesouros, das gloríolas, dos poderes e das paixões físicas. Significava, enfim, a morte simbólica do homem animal e o renascimento jubiloso do homem espiritual. 

Aliás, o Brasil também é rico de lendas e histórias sobrenaturais, cuja origem se deve propriamente à faculdade mediúnica bastante desenvolvida dos brasileiros que, em geral, são prodigamente intuitivos desde o berço. Muito antes da codificação espírita, os silvícolas das plagas americanas já praticavam diversos ritos, que os dispunham ao intercâmbio mediúnico com o mundo invisível, pondo-os, assim, em contado com os companheiros de tribo, já desencarnados. Eles também exerciam a mediunidade curativa, quer prescrevendo ervas selecionadas, como esconjurando os maus espíritos pelo processo mágico dos exorcismos coletivos. Previam as variações do tempo, a época favorável para a melhor plantação e colheita; auscultavam os sinais do mundo oculto e pressentiam os lugares epidêmicos ou impróprios para sua existência. Os pajés mais tarimbados prenunciavam a morte dos caciques, o nascimento dos bons guerreiros ou a marcha belicosa das tribos adversas, advertindo, com êxito, sobre o resultado das porfias sangrentas. 

As lendas brasileiras são férteis de fenômenos mediúnicos. No cenário das matas enluaradas surge o "boitatá" lançando fogo pelas narinas; nas encruzilhadas escuras aparece o fantasmagórico "saci-pererê", saltitando numa perna só e despedindo fulgores dos olhos esbraseados; na pradaria sem fim, corre loucamente a mula-sem-cabeça, ou na penumbra das madrugadas nevoentas, os mais crédulos dizem ouvir os gemidos tristes do negrinho do pastoreio. 

Embora sejam histórias modeladas pela lenda e fantasia, no âmago dessas narrativas folclóricas domina o fenômeno mediúnico inconfundível a comprovar a vida imortal. 

PERGUNTA: - A prática do intercâmbio mediúnico também não poderia ser vulgarizada pelos demais movimentos espiritualistas, em vez de o considerarem quase uma ocupação exclusiva do Espiritismo? 

RAMATÍS: - Quer os médiuns kardecistas de "mesa", durante as comunicações, copiem os notáveis tribunos, expondo em linguagem culta e castiça o pensamento dos desencarnados; quer os "cavalos" de Umbanda cuidem dos filhos do terreiro, transmitindo os conselhos dos "pais" em linguagem simples ou arrevesada; quer os esoteristas em suas "sessões brancas" se digam inspirados para as prédicas doutrinárias; e os teosofistas confiem unicamente nos seus mestres tradicionais, ou os discípulos iniciáticos aguardem o seu "mestre" na hora de sua maturidade espiritual, isso tudo, enfim, não passa de "fenômenos mediúnicos", embora varie o ambiente de sua manifestação e seja diferente o rótulo de cada conjunto religioso ou espiritualista. 

Mas foi o Alto e não o homem terreno quem atribuiu ao Espiritismo a vigilância e o controle da manifestação mediúnica na Terra, além da divulgação dos seus postulados de esclarecimento da vida imortal e renovação moral do homem. A codificação espírita é a responsável pela prática mediúnica mais sadia e sensata nas relações entre os "mortos" e os "vivos", atendendo ainda à promessa de Jesus, quando advertiu que enviaria o "Consolador" para derramar-se pela carne dos homens, das mulheres e das crianças. 

Desde que o Espiritismo não é uma iniciativa destinada exclusivamente a especulação filosófica "extraterrena", mas ainda deve zelar pelo exercício eficiente e sensato da mediunidade entre os homens, então, realmente, lhe cabe vulgarizar o intercâmbio com os "mortos" para melhor esclarecimento dos "vivos". O médium difere do tradicional adepto filiado aos templos iniciáticos, porque deve enfrentar as suas provas e tentações à luz do dia, entre as suas atividades e vicissitudes cotidianas. O discípulo da iniciação oculta deve provar suas virtudes e vontade através dos símbolos e das reações provocados pelos "testes" iniciáticos. O médium, no entanto, enfrenta as mais duras provas no convívio da família, no ambiente de trabalho, nas suas relações cotidianas, nas obrigações sociais e pelas deficiências da saúde. 

Conforme já dissemos, o Espiritismo foi inspirado pelo próprio Mestre Jesus para esclarecer os homens; cabendo-lhe atender desde os cérebros mais cultos, até aos mais pobres de entendimento intelectual. Assim como o Divino Amigo desceu à Terra para servir a "todos" os homens, o Espiritismo também assumiu a responsabilidade crítica de atender toda a Humanidade, sem qualquer exceção de seita religiosa, casta social ou privilégio e cultura. 

PERGUNTA: - Alguns críticos afirmam que a fenomenologia mediúnica sob os auspícios do Espiritismo só atende a um sentido espetacular, uma vez que os fenômenos do mundo oculto impressionam os sentidos físicos do homem, mas de modo algum despertam a sua natureza angélica. Que dizeis? 

RAMATÍS: - Não opomos dúvida a que a fenomenologia medi única, considerada exclusivamente como espetáculo incomum aos sentidos humanos, não é suficiente para modificar o raciocínio do homem impenitente. Na verdade, os fenômenos mediúnicos podem convencer o homem de sua imortalidade, sem no entanto o converter à vida moral superior pregada pelos mais abalizados instrutores do reino angélico. Justamente por isso, o Evangelho é a base ou o cimento indestrutível da codificação espírita porque o homem, além de reconhecer-se imortal, deve também angelizar-se através da mensagem do Cristo. Que vale a convicção salutar de sua imortalidade, se ele não se prepara para usufruir a ventura espiritual depois da morte física? 

Evidentemente, o Espiritismo não é culpado porque muitos dos seus adeptos não lhe seguem os princípios de libertação espiritual e renovação moral preferindo apenas usufruir-lhe os fenômenos que só afetam os sentidos físicos. Aliás, Jesus solucionou muito bem esse assunto quando atendendo à queixa de Pedro contra a multidão ingrata, disse-lhe, categórico: "Que te importa, Pedro, que não me sigam? Segues-me tu?" 

PERGUNTA: - Também ouvimos alguns adversários da doutrina espírita alegarem que a generalização da prática mediúnica sensibiliza prematuramente o homem, colocando-o em relação e contacto desvantajoso com o astral inferior, quando ele ainda não desvendou os meios de defesa psíquica contra o assédio perigoso dos espíritos perversos e mistificadores. Que dizeis? 

RAMATÍS: - Não vos deve ser estranho o fato de que nenhuma criatura precisa "desenvolver" sua mediunidade, para depois ligar-se ao mundo oculto inferior! Os asilos de loucos estão repletos de indivíduos egressos de todas as religiões e condições humanas, que de modo algum exercitaram sua mediunidade ou participam de qualquer movimento espírita. Eles arruinaram-se pela sua índole moral deficiente, pelo vício, pela fraqueza espiritual ou pelo débito cármico do passado, e não por qualquer "exercício mediúnico". 

Qualquer estatística, no vosso país, é suficiente para comprovar-vos que os hospícios, os asilos e as demais instituições de doentes mentais estão lotados por criaturas de todas as idades, religiões, cultura, doutrinas e nacionalidade. Embora os cientistas e adversários religiosos ainda acoimem o Espiritismo de "fábrica de loucos", eles ficariam surpresos verificando que os espíritas, na verdade, constituem menor número de inquilinos das casas de alienados. 

O contacto perigoso com os espíritos inferiores não é fruto exclusivo da freqüência aos trabalhos de "mesa kardecista", ou dos terreiros de Umbanda, mas depende muitíssimo da natureza dos pensamentos e das emoções dos homens. A corrupção moral, o vício degradante, a paixão inferior, a lascívia mental ou verbal, são atitudes desfavoráveis e sensibilizam mediunicamente qualquer pessoa para ligá-la às entidades das sombras. Enquanto Rasputin, sem freqüentar qualquer trabalho de desenvolvimento mediúnico, punha-se em contacto diário com os espíritos diabólicos, Francisco de Assis, atuando noutra faixa vibratória, podia comunicar-se com Jesus! 

Não vemos motivo de censuras porque o Espiritismo pesquisa, estuda, controla e divulga o fenômeno mediúnico e as relações com os desencarnados, quando realmente isso constitui a base prática dos seus princípios doutrinários em conexão com os ensinamentos da Lei do Carma e da Reencarnação. Tratando-se de doutrina que não depende de rituais, compromissos religiosos ou iniciáticos, nem firma sua divulgação nos ingredientes da magia terrena, mas sim, na elevação moral na vida prática, o Espiritismo é realmente o mais credenciado movimento espiritualista para popularizar os fenômenos de contacto com o Além-túmulo. E não deve ser responsabilizado pelas incongruências, diatribes, tolices, leviandades ou interesses mercenários dos médiuns inescrupulosos, ignorantes ou charlatões, que lhe exploram o veio espiritual. 

Em obra anterior, 6 já dissemos que a mediunidade de prova é um ensejo, espécie de "aval" concedido pelo Alto ao homem demasiadamente comprometido em suas existências anteriores. Mas é do seu dever cumprir a tarefa mediúnica de modo honesto, sublime e caritativo, cabendo-lhe a responsabilidade moral na boa ou má aplicação dos bens cedidos pela magnanimidade dos seus guias. O certo é que, no "lado de cá", ainda não possuímos uma polícia especializada com o dever de sanear o serviço dos médiuns na seara espírita. Temos de curvar-nos à própria vontade do Criador. Quando respeita o livre-arbítrio de seus filhos, embora a Lei depois os discipline para seu próprio bem. 

6 - Nota do Médium: Vide capítulo "Considerações sobre a mediunidade natural e de prova" da obra "Mediunismo" (Editora do Conhecimento), de Ramatís. 

Seria tão absurdo os adversários condenarem o Espiritismo, só porque ainda vicejam à sua sombra os médiuns e os adeptos inescrupulosos, assim como teríamos de execrar a Medicina, em face dos médicos sacripantas que exploram a dor à guisa de negócio lucrativo, ou então acusarmos a Igreja Católica devido à existência dos clérigos venais. 

PERGUNTA: - Alhures, tendes afirmado que a Bíblia já registra, há milênios, os fatos mediúnicos entre os homens. Poderíeis citar-nos alguns exemplos elucidativos dessa afirmação, a fim de ampliarmos o nosso conhecimento a respeito desse assunto, tão importante para nossos estudos? 

RAMATÍS: - Embora os acontecimentos medi únicos descritos na Bíblia estejam velados pelo simbolismo da raça hebraica ou pela poesia religiosa, em verdade, eles são fenômenos mediúnicos tão específicos e positivos quanto aqueles que Allan Kardec e outros autores espíritas enumeraram em estudos. Em face da exigüidade do espaço de que dispomos nesta obra, citaremos alguns dos principais fenômenos mediúnicos insertos no Velho e no Novo Testamento, que provam a manifestação da mediunidade naquela época, isentando a doutrina espírita de havê-los inventado para fim doutrinário. 

O fenômeno mediúnico de "materializacão" e de "voz direta", por exemplo, é indiscutivelmente registrado em I Samuel, capítulo 28, versículos 11, 12 e 15, quando Saul, em vésperas de enfrentar dificultosa batalha sob o seu comando, resolve consultar uma célebre pitonisa da época, a fim de ouvir a alma de Samuel, poderoso comandante dos exércitos de Israel, já falecido e sepultado em Ramatha, sua pátria. 7 Eis, então, como a Bíblia relata os fatos através dos versículos já citados: "e disse-lhe a mulher: Quem queres tu que te apareça? Disse Saul: Faze-me aparecer Samuel. E a mulher, tendo visto aparecer Samuel, deu um grande grito e disse a Saul: Por que me enganaste tu? Disse pois Samuel (o espírito materializado) a Saul: Por que me inquietaste fazendo-me vir cá?" 

7 - Nota do Médium: Vide capítulo "A palavra do Morto", da obra" Lázaro Redivivo", ditada pelo espírito do Irmão X a Chico Xavier. Edição da FEB. 

Em Jó, capítulo 4, versículos 13, 15 e 16, diz o profeta: "No horror de uma visão noturna, quando o sono costuma ocupar os sentidos dos homens, ao passar diante de mim um espírito, os cabelos de minha carne se arrepiaram. Parou alguém diante de mim, cujo rosto eu não conhecia, um vulto diante dos meus olhos, e eu ouvi uma voz como de branda viração". Em ambos os casos comprova-se perfeitamente a materialização de espíritos e o fenômeno de "voz direta", que melhor se confirma na seguinte frase: ... "e eu ouvi uma voz como de branda viração". 

No "II Livro dos Reis", capítulo 6, versículos 5 e 6, o profeta Eliseu produz o fenômeno de levitação, muito conhecido nas sessões espíritas de fenômenos físicos, conforme o seguinte relato: "Aconteceu, porém, que um, cortando uma árvore, caiu na água o ferro do machado: e ele gritou e disse: Ai, meu senhor! Que este mesmo o tinha emprestado (o machado). E o homem de Deus (o profeta Eliseu), indagou: Onde caiu? E ele mostrou o lugar. Cortou pois Eliseu um pau, e o lançou no mesmo lugar e o ferro saiu nadando". Não há dúvida alguma sobre o fato, pois em tal caso a "levitação" se comprova de modo espetacular, quando o ferro do machado emergiu à superfície do rio e à luz do dia. 

O fenômeno de materialização ainda se confirma, outra vez na seguinte narrativa de Lucas, Capítulo 1 versículo 11, que assim diz: "E apareceu a Zacarias um anjo do Senhor, posto em pé na parte direita do altar do incenso". Conforme narram os apóstolos, noutros trechos bíblicos, um anjo materializou-se também a Maria, avisando-a de que seria a mãe do Senhor. 

A mediunidade de "transporte" está perfeitamente implícita nos relatos de Ezequiel. o profeta (capítulo 3, versículo 14), quando assim se expressa: "Também o espírito me levantou, e me levou consigo; e eu me fui, cheio de amargura e indignação do meu espírito; porém, a mão do Senhor estava comigo, confortando-me". Da mesma forma. Felipe (Atos, capítulo 8, versículo 39 e 40) assim explica: "E tanto que eles saíram da água, arrebatou o espírito do Senhor a Felipe, e o eunuco não o viu mais. Porém, continuava o seu caminho cheio de prazer. Mas Felipe se achou em Azot, e, indo passando, pregava o Evangelho em todas as cidades até que veio a Cesáreia". 

A premonição também foi largamente exercida nos tempos bíblicos, pois a Bíblia é pródiga desses relatos proféticos, nos quais se profetiza a vinda de grandes seres. Malaquias, capítulo 4, versículo 5, prediz a vinda de Elias: "Eis que vos enviarei o profeta Elias, antes que venha o grande e horrível dia do Senhor". Isaías também foi um clarividente incomum, prevendo, quase um milênio antes, a vinda de Jesus e expondo minúcias que, mais tarde, serviriam para identificar o tipo sublime do Mestre, conforme se verifica no capítulo 7, versículos 14 e 15 do seu livro: "Pois por isso mesmo o Senhor vos dará este sinal. Eis que uma virgem conceberá, e parirá um filho, e será chamado o seu nome Emanuel (Deus conosco). Ele comerá manteiga e mel, até que saiba rejeitar o mal e escolher o bem". Isaías profetizou o nascimento de Jesus de uma virgem, isto é, o primeiro filho concebido de uma virgem só pode ser aquele que é gerado na primeira união conjugal. O Mestre, portanto, nasceu de uma virgem, mas sem desmentir as leis físicas imutáveis do Criador, ou sem violentar o processo genético peculiar do mundo em que viveis. A clarividência de Isaías ainda mais se confirma quando ele indica que Jesus seria alimentado a manteiga e mel, isto é, seria vegetariano, preferindo o mel como um dos seus alimentos prediletos. 

Ainda na Bíblia é possível comprovar-se de modo indiscutível o mecanismo justo e eqüitativo da Lei do Carma e os processos da Reencarnação, que atualmente se entrosam como ensinamentos espiríticos, sendo bastante examinar-se a parte referente à vinda do profeta Elias e de João Batista, quando assim diz: (Mateus, capítulo 17, versículos 11 a l3). "Porque todos os profetas e a lei até João profetizaram. E se vós quereis bem compreender, ele mesmo é Elias, que há de vir." E Mateus, capítulo 17, v. 11 e 13): "E Jesus, respondendo-lhes, disse-lhes: Em verdade, Elias virá primeiro, e restaurará todas as coisas; Mas digo-vos que Elias já veio, e não o conheceram (...) Então entenderam os discípulos que lhes falara de João Batista". 

Através desses relatos tradicionais a própria Bíblia confirma-nos a idéia da reencarnação naqueles tempos memoráveis ainda endossa-nos o conceito retificador da Lei do Carma, em que "a colheita é sempre de acordo com a sementeira". No I Livro dos Reis, capítulo 18, versículos 40, Elias ordena aos discípulos: "Apanhai os profetas de Baal, e não escape um só deles. E tendo o povo os agarrado, Elias os levou à torrente de Quizon, e ali os matou". Assim, Elias mandou-os degolar junto ao rio Quizon, inculpando-se perante a Lei do Carma pela espécie de morte bárbara que ordenou aos sacerdotes de Baal e candidatando-se a sofrer igual sorte no futuro. Na verdade, é a própria Bíblia que nos comprova o resgate dessa dívida cármica de Elias, quando depois de renascer na Terra, sob a figura do profeta João Batista, ele também foi degolado no reinado de Herodes, a pedido de Salomé. Cumprira-se assim a Lei do Carma em sua implacável justiça redentora, uma vez que Elias, o degolador de outrora, depois de reencarnado como João Batista, também sofre idêntica prova cármica sob a lei de "quem com ferro fere, com ferro será ferido", malgrado tenha sido ele o precursor do próprio Messias. 8 

8 - Nota do Revisor: Em aditamento a Ramatís, sobre os fenômenos mediúnicos relatados pela Bíblia, citamos Lucas, capítulo 24, versículo 37, no qual se comprova também a vidência dos apóstolos à guisa de "médiuns espíritas", em que se diz: "Mas eles (os apóstolos) após a ressurreição do Mestre, achando-se perturbados e espantados, cuidavam que viam algum espírito". Isso prova que há muito tempo os apóstolos já viam espíritos, pois doutro modo eles não poderiam pressupor um fato possível se já não o conhecessem anteriormente.

MEDIUNIDADE DE PSICOMETRIA - PARTE 2

ENIGMAS DA PSICOMETRIA 
ERNESTO BOZZANO 


Pois que a psicometria não passa de uma das modalidades da clarividência, a esta pertencem, também, os seus enigmas. É natural, portanto, que, ao falarmos nesta obra de uma, levado sejamos a tratar da outra. 

De qualquer modo, para não ampliar demasiado o assunto, limitar a versar exclusivamente o tema da psicometria, que contém os principais enigmas a resolver. De resto, as suas modalidades próprias lhe conferem um caráter especial, que permitem considerar à parte. 

As modalidades segundo as quais se estabelece à conexão entre o sensitivo e a pessoa ou meio concernente ao objeto psicometrado, distinguem, efetivamente, a psicometria das outras formas de clarividência. No sonambulismo provocado, é o próprio operador que estabelece a relação entre o sensitivo e a pessoa ou o meio colimador. 

Na ausência de operador, é o consulente que, por sua presença, faculta a ligação entre o sensitivo e ele próprio consulente ou a pessoa e o meio distantes. Na clarividência utilizada por quiromancia, cartomancia, visão do cristal, os diversos objetos ou processos empregados podem considerar-se como simples estimulantes, próprios para suscitar o estado psicológico favorável ao desembaraço das faculdades subconscientes. 

Na psicometria, muito pelo contrário, parece evidente que os objetos apresentados ao sensitivo, longe de atuarem como simples estimulantes, constituem verdadeiros intermediários adequados, que, à falta de condições experimentais favoráveis, servem para estabelecer a relação entre a pessoa ou meio distantes, mercê de uma influência real, impregnada no objeto, pelo seu possuidor. 

Esta influência, de conformidade com a hipótese psicométrica, consistiria em tal ou qual propriedade da matéria inanimada para receber e reter, potencialmente, toda espécie de vibrações e emanações físicas, psíquicas e vitais, assim como se dá com a substância cerebral, que tem a propriedade de receber e conservar em latência as vibrações do pensamento. 

Após as experiências recentes e decisivas de Edmond Duchatel e do Doutor Osty nos domínios da psicometria, não é mais possível duvidar da realidade dessa influência pessoal, absorvida pelos objetos e percebida pelos sensitivos. 

O que ainda se não sabe é se a influência em apreço contém virtualmente a história do dono do objeto - história suscetível de ser psicometricamente evocada pelos sensitivos em seus mínimos pormenores, tal como afirmam alguns experimentadores. 

Sem embargo, ao menos no que diz com a influência de pessoas vivas, tudo concorre para demonstrar que tal latitude de poderes é, em grande parte, imaginária. A influência pessoal registrada pelos objetos não exerce, realmente, outro papel que o de estabelecer a relação com a pessoa ou meio distantes, que se tenha vista psicometrar. Essa influência fornece lhe permite segui-la. 

Daí resultaria que as descrições e revelações verídicas, obtidas graças à relação psicométrica, longe de serem diretamente extraídas da influência contida nos objetos psicometrado, seriam alcançadas por meio das faculdades clarividentes e telepáticas do sensitivo e orientadas, isto sim, pela influência persistente nos objetos. 

Todavia, apresso a acrescentar que esta limitação de poderes da psicometria (dos quais acabo de tratar unicamente do ponto de vista das influências de natureza humana registradas pelos objetos), não eliminaria a hipótese dos professores Buchanan e Denton, mediante a qual o objeto seria, por si mesmo, capaz de revelar minuciosamente a sua própria história. 

Não. A minha observação tende apenas à limitação da hipótese, modificando-lhe a significação. Os informes obtidos, graças à análise psicometria, constituiriam, em todo o caso, uma questão de relações estabelecidas por um meio que não seria material propriamente dito, tal como provaremos depois. 

Aqui, assenta o problema mais importante da fenomenologia psicométrica. O fato de penetrar os segredos biográficos da matéria, inanimada, permaneceria bem mais misterioso, mesmo que se operasse com o concurso das relações com um meio que não fosse matéria, precisamente. 

Em torno deste enigma maior, outros enigmas surgem não menos perturbadores. Porque, de fato, tudo parece demonstrar que os sensitivos entram, às vezes, em relação com os reinos vegetal e animal, a tal ponto se identificando com a influencia contida no objeto psicometrado, que dir-se-ia apropriarem-se das sensações, dos entendimentos, das vibrações e sensações rudimentares dos organismos ou substâncias estudados. 

Assim, da mesma forma por que a influência deixada num objeto por pessoa viva tem a virtude de pôr o sensitivo em relação com a subconsciência dessa. pessoa, assim também a mesma influência'', deixada nos objetos por uma pessoa falecida, teria o poder de pôr o sensitivo em relação com o Espírito do falecido. 

Esta última suposição parecerá bem menos inconcebível que as até agora enunciadas, pois é uma premissa menor, conseqüência lógica da premissa maior. Outras modalidades, não menos enigmáticas, apresentam-se na fenomenologia psicométrica e haveremos de as examinar, à proporção que ressaltarem dos respectivos fatos. 

Antes de entrar propriamente no assunto, importa consagrar alguns parágrafos para estabelecer a solidez da assertiva que acabamos de formular e segundo a qual provado está, que os objetos presentes ao sensitivo não atuam unicamente à maneira de simples estimulantes, mas contêm, de fato, uma influência pessoal humana, capaz de colocar o sensitivo em relação com o dono do objeto. 

Neste propósito, assinalaremos que o objeto apresentado ao sensitivo não serve praticamente para evocar a história de uma personalidade humana, senão quando tenha sido tocado e utilizado por essa personalidade ; do contrário, deixaria de provocar no sensitivo qualquer associação de natureza humana e poderia, ao invés, provocar outras, concernentes ao objeto material em si, e como tal. 

Daí resulta que essa diferença de associações não poderia realizar-se, se realmente não existisse uma impregnação fluídico-humana dos objetos. No caso de objeto utilizado por diversas pessoas, facultado fica ao sensitivo poder exercer sucessivamente a sua influência sobre cada uma dessas pessoas, inclusive o ambiente em que elas viveram.

Mas, o grande caso é que não suscita, jamais, qualquer evocação de pessoas absolutamente estranhas ao objeto, o que constitui um índice probante de que os fluidos humanos, absorvidos pela matéria inanimada, são geralmente os agentes invocadores das impressões psicométrica. 

Quando o objeto tenha pertencido a diversas pessoas, nota-se, por vezes, erros de orientação, muito instrutivos. Assim, por exemplo, num caso citado por Duchatel, o consulente apresenta ao sensitivo uma carta, propondo-se obter esclarecimentos a respeito do remetente e obtém, ao invés, informações precisas e abundantes sobre o destinatário. 

Este fato pode, talvez, ser atribuído à existência de uma lei de afinidade eletiva, em virtude da qual o fluido do destinatário se evidenciasse mais ativo em relação com o sensitivo, do que o fluido do remetente. 

Daí, o seguir-se que, para explicar os fatos, somos levados em todos os casos a admitir a existência de um fluido pessoal humano ligando-se aos objetos. É uma conclusão esta corroborada por tantas circunstâncias, tendentes toda a demonstrá-la, que a podemos considerar como definitivamente adquirida pela ciência. 

Penso não ser necessário estribar em longos argumentos a outra afirmativa concernente à real função das influências humanas contidas nos objetos, isto é: estabelecer a correlação do sensitivo e do dono do objeto. 

E uma conclusão inconteste, que resulta dos fatos, pois, do contrário, o sensitivo deveria tirar do objeto apontamentos exclusivamente concernentes ao período durante o qual o consulente estivesse de posse do mesmo objeto. 

Entretanto, muito pelo contrário, o que acontece é que o sensitivo freqüentemente revela incidentes ocorridos antes é depois de haver o consulente usado o objeto; e vai mesmo mais longe às vezes, isto é: - ultrapassa o passado e o presente, para aventurar-se pelo futuro. 

E daí, uma prova indiscutível de que em tais circunstâncias ele, sensitivo, utiliza as faculdades de sua clarividência no subconsciente da pessoa presente ou ausente, com a qual se acha em relação psicométrica, e não no objeto psicometrado. 

Tudo quanto vimos de dizer refere-se aos casos de influência humana, registrada pelos objetos. Por legítimas, até certo ponto, poderíamos haver estas mesmas conclusões, nos casos de objetos ligados a influências animais. 

Já quando se trata de organismos vegetais, desprovidos de uma subconsciência suscetível de serem exploradas, elas são menos admissíveis por outro lado, impossível fora concluir do mesmo modo, em se tratando de objetos estremes de toda influência humana, animal ou vegetal e que, não obstante, revelassem ao sensitivos acontecimentos mais ou menos genéricos de sua história geológica, paleozóica e arqueológica 

Efetivamente, nestes casos, não há como fugir a esta interrogação : onde poderia o sensitivo haurir as suas informações, senão no próprio objeto ou em um meio transcendental relacionado ao objeto? 

O problema permanece assaz misterioso e de solução duvidosa, como evidenciaremos no momento dado. Agora, para elucidar o assunto, compete-nos apresentar exemplos, prevenindo o leitor de que não nos é possível classificá-los, pois muitas vezes os incidentes contidos num caso particular pertencem a diferentes categorias de fatos. 

Forçoso é pois resignarmo-nos a dispô-los da melhor forma possível, negligenciando os métodos normais da classificação científica. Entre os exemplos dignos de interesse, notar-se-á, mais especialmente, os obtidos por intermédio da Srta. Edith Hawthorne, há tempos já falecida, na idade de 39 anos. 

Criatura bexigosa e enfermiça, o seu precário estado de saúde não a impedia de se dedicar a obras de caridade e filantropia. Animada de uma compassividade extrema para com as crianças abandonadas, tinha ela fundado um instituto (The Tiny Tim Guild), destinado a crianças atrofiadas e raquíticas, ao qual consagrava todo o tempo disponível nos últimos anos de sua existência. 

Do seu admirável espírito de sacrifício, eis como depõe uma testemunha: 

Genial, a sua intuição nos cuidados para vivificar uma laringe ou uma língua atrofiada. Nesses trabalhos, era de uma paciência sem limites, a fim de conseguir um tratamento eficaz, e tão suave, e tão carinhoso, a ponto de o transformar em distração alegre para os pequeninos enfermos. 

E a Srta. Hawthorne estava firmemente convencida de que as influencia do mundo espiritual assistiam-na em sua tarefa. A seu ver, os processos engenhosos que imaginava, e mediante os quais cada utensílio se adaptava expressamente a cada paciente, eram-lhe sugeridos pelos Invisíveis. 

Esta presunção não é inverossímil, tendo-se em vista as faculdades mediúnicas notáveis, que ela revelou nesse período de sua vida. Em suas experiências psicométrica a Srta. Hawthorne deu provas de uma capacidade de investigação realmente científica. 

No intuito de eliminar toda a possibilidade de sugestão involuntária ou de leitura do pensamento, procurava obter de lugares longínquos objetos desconhecidos para os psicometrar, registrando logo de seguida à impressão que lhe dava cada objeto e comunicando-se com o seu remetente, a fim de consignar este as próprias observações, de confronto com o documento psicométrico. 

Algumas destas notícias biográficas permitirão apreciar melhor o valor científico da série de experiências feitas por seu intermédio e publicadas, em parte, na revista inglesa Light, de 1903 a 1904. 

I Caso - Extraído de Light (1903, pág. 214). Edith Hawthorne escreve: 

A experiência, a seguir, foi feita com o Sr. Samuel Jones (16. Askew Bridge-road, Dudley, Worcestershires), com quem mantenho correspondência bastante assídua. 

Dei-lhe preferência porque todas as pessoas de minha intimidade sabem que eu e o Sr. Jones nunca nos vimos, e que jamais pisei no condado em que ele reside. 

Pedi a esse senhor que me enviasse amostras diversas, de qualquer natureza, das quais eu tudo deveria ignorar, exceto o número de ordem que me habilitasse a distingui-Ias. 

Ao receber essas amostras, impunha-me anotar imediatamente as impressões que cada uma me suscitava, à proporção que as ia segurando entre as mãos, a fim de expedir, de seguida, essas impressões escritas ao Sr. Jones, que lhes aditaria o respectivo comentário, atinente à autenticidade das minhas notas psicométrica. No memorial a seguir, as observações d:; Sr. Jones vão registradas entre parênteses.