quinta-feira, 30 de agosto de 2012

A ORIGEM SEGUNDO O CANDOMBLÉ



Há pouco mais de um mês, o Terreiro de Òsùmàrè iniciou uma série de postagens com objetivo de esclarecer os adeptos e simpatizantes do Candomblé, sobre a nossa rica cultura, bem como, postar matérias com temas concernentes aos Deuses Africanos e Candomblé, de modo geral.

Nesse período falamos de assuntos importantes como: a razão de Ògún usar o Mariwo como sua veste, a razão de não utilizarmos máscaras nos Òrìsàs. 

Falamos sobre o Olugbajé, discorremos sobre o motivo de o Arco-Íris representar o nosso patrono, Òsùmàrè, sobre os Àbíkú, Sàngó, Yánsàn, dentre muitos outros temas relevantes.

Hoje vamos falar do princípio de tudo segundo a visão dos Yorùbás. Todas as religiões acreditam num modo de criação do mundo e, com o Candomblé não é diferente. Dessa forma, transcrevemos abaixo, uma das mais importantes histórias do oráculo de Ifá, publicado por Juanita Elbein dos Santos, que discorre sobre a criação do mundo em que vivemos.

Quando Olórun decidiu criar a terra, chamou Obàtálà, entregou-lhe o Àpò Ìwà (saco da existência) e deu-lhe as instruções necessárias para a realização da magna tarefa. Obàtálà reuniu todos os Òrìsà e preparou-se, sem perda de tempo. De saída, encontrou-se com Odùduwà que lhe disse que só o acompanharia após realizar suas obrigações rituais, já no Òna-Òrun, caminho, Obàtálà passou diante de Èsù. Este, o grande controlador e transportador de sacrifícios que domina os caminhos, perguntou-lhe se já tinha feito as oferendas propiciatórias. Sem se deter, Obàtálà respondeu-lhe que não tinha feito nada e seguiu seu caminho sem dar mais importância a questão. E foi assim que Èsù sentenciou que nada do que ele se propunha empreender seria realizado.

Em efeito, enquanto Obàtálà seguia seu caminho começou a ter sede. Passou perto de um rio, mas não parou. Passou por uma aldeia onde lhe ofereceram leite, mas ele não aceitou. Continuou andando. Sua sede aumentava e era insuportável. De repente, viu diante de si uma palmeira ("Igi-Òpe" - Dendezeiro - "Elaeis Guineenssis") e, sem se poder conter, plantou no tronco da árvore seu cajado ritual, o Òpásóró, e bebeu a seiva ("emú" - vinho de palma). Bebeu insaciavelmente até que suas forças o abandonaram, até perder os sentidos e ficou estendido no meio do caminho.

Nesse meio tempo, Odùduwà, que foi consultar Ifá, fazia suas oferendas à Èsù. Seguindo os conselhos dos Babaláwos, ele trouxera cinco galinhas, das que têm cinco dedos em cada pata, cinco pombos, um camaleão, dois mil elos de cadeia e todos os outros elementos que acompanham o sacrifício. Èsù apanhou estes últimos e uma pena da cabeça de cada ave e devolveu a Odùduwà a cadeia, as aves e o camaleão vivos.

Odùduwà consultou outra vez os Babaláwos que lhe indicaram ser necessário, agora, efetuar um ebo, aos pés de Olórun, de duzentos ìgbín, os caracóis que contêm o "sangue branco", "a água que apazigua", Omí-Èrò. Quando Odùduwà levou o cesto com ìgbín, Olórun aborreceu-se vendo que Odùduwà ainda não tinha partido com os outros. Odùduwà não perdeu sua calma e explicou que estava obedecendo as ordens de Ifá. Foi assim que Olórun decidiu aceitar a oferenda e ao abrir seu Àpére-Odù - espécie de grande almofada onde geralmente ele está sentado - para colocar a água dos ìgbín, viu com surpresa, que não havia colocado no Àpò Ìwà - bolsa da existência - entregue a Obàtálà, um pequeno saco contendo a terra. Ele entregou nas mãos de Odùduwà para que ele, por sua vez, a remetesse a Obàtálà.

Odùduwà partiu para alcançar Obàtálà. Ele o encontrou inanimado ao pé da palmeira, contornado por todos os Òrìsàs que não sabiam o que fazer. Depois de tentar em vão acordá-lo, ele apanhou o Àpò Ìwà que estava no chão e voltou para entregá-lo a Olórun. Este decidiu, então, encarregar Odùduwà da criação da terra. Na volta de Odùduwà, Obàtálà ainda dormia; ela reuniu todos os Òrìsàs e explicou-lhes que fora delegada por Olórun e eles dirigiam-se todos juntos para Òrun Àkàsò por onde deviam passar para assim alcançar o lugar determinado por Olórun para a criação da terra.

Èsù, Ògún, Òsóòsì e Ìja conheciam o caminho que leva às águas onde iam caçar e pescar. Ògún ofereceu-se para mostrar o caminho e converteu-se no Asiwajú e no Olúlànà - aquele que está na vanguarda e aquele que desbrava os caminhos. Chegando diante do Òpó-Òrun-Oún-Àiyé, o pilar que une o Òrun ao mundo, eles colocaram a cadeia ao longo da qual Odùduwà deslizou até o lugar indicado por cima das águas.

Ela lançou a terra e enviou Eyelé, (a pomba), para esparramá-la. Eyelé trabalhou muito tempo. Para apressar a tarefa, Odùduwà enviou cinco galinhas de cinco dedos em cada pata. Estas removeram e espelharam a terra imediatamente em todas as direções, à direita, à esquerda e ao centro, a perder de vista. Elas continuaram durante algum tempo, Odùduwà quis saber se a terra estava firme. Enviou um camaleão que, com muita precaução, colocou primeiro uma pata, tateando, apoiando-se sobre esta pata, colocou a outra e assim sucessivamente até que sentiu a terra firme sobre suas patas (Olé? "ela está firme?" Kole "ela não está firme?").

Quando o camaleão pisou por todos os lados, Odùduwà tentou por sua vez. Odùduwà foi a primeira entidade a pisar na terra, marcando-a com sua primeira pegada. Essa marca é chamada de Esè Ntaiyé Odùduwà. Atrás de Odùduwà vieram todos os outros Òrìsàs, colocando-se sob sua autoridade. Começaram a instalar-se. Todos os dias Òrúnmìlà, consultava Ifá para Odùduwà. Nesse meio tempo, Obàtálà acordou e vendo-se só, sem o Àpò Ìwà retornou a Olórun, lamentando-se de ter sido despojado do Àpò. Olórun tentou apaziguá-lo e em compensação transmitiu-lhe o saber profundo e o poder que lhe permitia criar todos os tipos de seres que iriam povoar a terra ("os trabalhos transcendentais de criação permitir-lhe-iam criar todos os seres humanos e as múltiplas variedades de espécies que povoariam os espaços do mundo: todas as árvores, plantas, ervas, animais, aves, pássaros, peixes e todos os tipos de humanos).

Foi assim que Obàtálà aprendeu e foi delegado para executar esses importantes trabalhos. Então, ele se preparou para chegar à terra. Reuniu os Òrìsàs que esperavam por ele, Olúfón, Eteko, Olúorogbo, Olúwofin, Ògìyán e o resto dos Òrìsàs Funfun. No dia em que estavam para chegar, Òrúnmìlà, que estava consultando Ifá para Odùduwà, anunciou-lhe o acontecimento. Obàtálà, ele mesmo, e seu séquito vinham dos espaços do Òrun. Òrúnmìlà fez com que Odùa soubesse que se ela quisesse que a terra fosse firmemente estabelecida e que a existência se desenvolvesse e crescesse como ela havia projetado, ela devia receber Obàtálà com reverência e todos deveriam considerá-lo como seu pai.

No dia de sua chegada, Obàtálà foi recebido e saudado com grande respeito: "Obá Áláá, seja bem vindo! Oba Nlá (o grande rei) acaba de chegar... Os escravos vieram servir seu mestre..... Oh! senhor dos habitantes do mundo!".

A exemplo de muitas histórias, essa também narra sobre a importância da realização dos sacrifícios, sobre a importância de realizarmos aquilo que o oráculo sagrado nos prescreve e muitas lições que, certamente valem para a vida toda.

Que Òsùmàrè Arákà esteja sempre olhando e abençoando todos!!!

Ilé Òsùmàrè Aràká Àse Ògòdó

Òsógiyan, o Guerreiro de Èjìgbó


Osògiyán, também chamado de Ajagunnan, é o filho guerreiro de Òsálúfon, à exemplo do pai é um Òrìsà Funfun, originário de Èjìgbó, onde futuramente tornar-se-ia o "Eléèjìgbó" (Rei de Èjìgbó). Osògiyán é o Òrìsà dono do pilão (odò), nele é preparada sua comida favorita "inhame pilado". Ele também é o dono da árvore de Àtòrì. A importância da árvore Àtòrì é singular n
o culto à Osògiyán e no culto aos ancestrais. Na festa em louvor à Osògiyán os omo Òrìsà dançam com grandes varas de Àtòrì, simulando uma guerra. Na Casa de Òsùmàrè, essa festa é realizada anualmente e nos traz muitas emoções.

Conforme vocês devem ter observado na série de postagens que estamos publicando, estamos tentando elucidar o motivo dos rituais que realizamos, sem obviamente ultrapassar o limite daquilo que só é permitido aos iniciados. Tudo que fazemos tem um porque, uma razão, uma história. Nada é ao acaso. Hoje, vamos assim, explicar a razão de realizarmos ainda nos dias de hoje, o lindo ritual da guerra dos Atori, que alude à uma passagem da vida desse grande guerreiro que é Òsógiyan, conforme segue.

Conta a história que Awoléjé, babaláwo companheiro e amigo de Eléèjìgbò, havia-lhe indicado o que deveria fazer para transformar a aldeia de Èjìgbó em uma grande cidade. Eléèjìgbò seguiu as orientações do seu amigo Awoléjé que por sua vez, saiu de Èjìgbó para outro povoado distante. Em alguns anos, a o pequeno povoado de Èjìgbó tornou-se uma grande cidade com portas fortificadas, guardas e um palácio. Eléèjìgbò vivia em grande estilo e era costume, quando se falava de sua pessoa, designá-lo pelo termo bajulador Kábiyèsi ('Sua Majestade Real'). Ao cabo de vários anos, Awoléjé voltou e, embora babaláwo, nada sabia da grandeza de seu amigo, Osògiyán. Chegando ao posto da guarda, na porta da cidade, pediu familiarmente notícias do Ògiyán. Os guardas surpresos e indignados com a insolência do viajante para com o soberano do lugar agarraram Awoléjé, bateram-lhe cruelmente com varas de Atori e o prenderam. O babaláwo ferido vingou-se utilizando seus poderes, atacando uma maldição (Epe) sobre a cidade. Èjìgbó conheceu então anos difíceis: não chovia mais, as mulheres ficaram estéreis, os cavalos do rei não tinham mais pasto e outros dissabores. Eléèjìgbò fez uma pesquisa e soube da prisão de Awoléjé. Ordenou imediatamente que o pusessem em liberdade e pediu-lhe para perdoar e para esquecer os maus-tratos de que fora vítima. Awoléjé concordou, mas com uma condição: 'No dia da festa de Osògiyán, os habitantes de Èjìgbó deveriam lutar entre si, com golpes de varas de Àtòrì, lembrando que ele, Awoléjé havia sido de forma cruel espancado.

Até os dias atuais, no Terreiro de Òsùmàrè, nas festas dedicadas à Òsógiyan, é entoada uma cantiga que narra essa história com perfeição, mencionando a maldição que Awoléjé jogou sobre Èjìgbó durante anos...

Que Òsùmàrè Arákà esteja sempre olhando e abençoando todos!!!
Ilé Òsùmàrè Aràká Àse Ògòdó

Òrìsà Oko é o Deus da Fazenda



Òrìsà Oko é o Deus da Fazenda, o Deus da Agricultura, uma Divindade de suma importância na Cultura Yorùbá, mas pouco conhecido no Brasil. No Terreiro de Òsùmàrè ele é festejado há séculos, por meio de obrigações internas e cânticos que destacam o seu grande poder sobre a agricultura. No Candomblé, a exemplo das folhas e água, usamos em abundância os grãos, tubérculos e frutos que a agricultura nos
fornece, razão que já evidencia quão importante esse Òrìsà é para a nossa cultura. 

Uma antiga história Nàgó, conta que um grupo de pessoas de uma cidade resolveu tramar contra “Olasi”, eles falaram que quando Olasi saísse da sua fazenda eles iriam roubá-lo e bater nele. Essas pessoas tinham grande inveja de Olasi, pois ele tinha grande facilidade em cultivar a terra.

Quando Olasi ficou sabendo da intenção dos seus inimigos, resolveu consultar Ifá, o grande Deus do Oráculo. Ifá disse à Olasi que ele deveria permanecer em sua fazenda por um longo período, cuidando das coisas da terra e que não retornasse à cidade, num período mínimo de um ano. Assim Olasi fez. Nesse período, as pessoas da cidade próxima a fazenda de Olási começaram a passar por grandes dificuldades. As mulheres não engravidavam mais... Os homens não conseguiam trazer alimentos para casa... Toda a cidade ficou em caos. 

Nesse período, Olási ficou plantando tudo o que conseguia, criando dessa forma, uma grande produção. Na fazenda de Olasi havia de um tudo. Inhame, milho, feijão, Obì, tudo em abundância. Mas ninguém da cidade desfrutava de toda essa fartura, pois Olasi não retornou mais à cidade. 

Prestes de completar um ano, um ancião da cidade consultou Ifá para saber o que a população deveria fazer para que tudo voltasse ao normal. Por meio do jogo, ele descobriu que tudo o que estava acontecendo foi em razão da traição que algumas pessoas da cidade iriam fazer à Olasi. Ifá disse ao ancião, que ele deveria reunir todas as pessoas da cidade e que juntos, eles deveriam ir à fazenda (Oko) de Olási, levando bebidas, tambores e tocando flautas. Quando lá chegassem deveriam pedir perdão à Olasi, pedindo que ele regressasse à cidade.

No outro dia, o ancião reuniu a população da cidade e comunicou o recado de Ifá. Todos foram tocando tambores até a fazenda, quando lá chegaram ficaram maravilhados com tanta fartura, com tantos inhames, com tanto milho. Quando Olasi foi recebê-los eles começaram à gritar: “Òrìsà Oko!!! Òrìsá Oko!!! Òrìsà Oko!!!” (Deus da Fazenda, Deus da Fazenda, Deus da Fazenda). 

A partir daquele momento, ele nunca mais foi chamado de Olasi, todas as pessoas o chamavam de “Òrìsà Oko”. Ele perdoou a população, mas disse que, todos os anos as pessoas deveriam fazer uma grande procissão agradecendo por tudo de bom que a terra lhes oferecia. Òrìsà Oko deu a população muitos grãos e inhames e eles voltaram para a cidade em procissão, agradecendo à Òrìsà Oko.

Assim nasceu a procissão de Òrìsà Oko, o Deus da fazenda, o Deus da Agricultura.

Que Òsùmàrè Arákà esteja sempre olhando e abençoando todos!!!
Ilé Òsùmàrè Aràká Àse Ògòdó