quinta-feira, 1 de novembro de 2012

O aprendizado no Candomblé



O aprendizado no Candomblé

Há muito tempo me questiono sobre a forma como são educados os iniciados da nossa religião, já falei disso em outra oportunidade, mas agora, tenho dedicado mais tempo a desvendar os mecanismos do aprendizado e de apreensão das informações. Sem querer me passar por Antropólogo ou Historiador, somente um filho de santo com questões e dúvidas a esse respeito.

O processo de aprendizado em uma Casa de Santo, para mim, é uma troca constante e sempre em duas vias, aprende-se com os mais velhos e com os mais novos. Com os mais velhos da religião se aprende hierarquia, respeito e o modelo de funcionamento da Casa com suas quizilas e seus macetes. Com os mais novos se aprende e se relembra da inquietação dos tempos de noviço, quando queríamos aprender tudo ao mesmo tempo e agora. E vejo como é saudável esta busca, por que foi esta inquietação que nos trouxe até este grupo, uns para buscar ajuda ou informação e outros para repassar o que dispomos de informações.

Ao longo dos anos de aprendizado e observação se percebe que o tempo é o senhor do saber numa Casa de Santo, é ele quem determina quando uma pessoa está apta a conhecer ou a saber alguma coisa. Numa Casa de Orixá não se antecipa o aprendizado, mas deve-se estimulá-lo, não se antecipam as obrigações, nem mesmo uma cantiga ou uma reza pode ser antecipada em sua ordem de entrada no Odorozã (Xirê), elas têm seu tempo e hora para serem colocadas, tudo em seu tempo certo. Mas é importante ressaltar que o “tempo certo” não pode servir de escudo para o não aprendizado e a sonegação de informações. Neste aprendizado se troca informação por sorriso, informação por ajuda no lavar dos pratos, informação por depenar galinha, informação por lavar as quartinhas, informação por informação.

Os mais velhos quase sempre escolhem ou apadrinham aqueles eleitos a quem vão dar a informação detalhada, o fundamento, o segredo. Porém sempre fazendo absoluta questão de dizer (por palavras e gestos) que não ensinam e não sabem nada para ensinar. Muitas são as decepções dos mais velhos que investem seus esforços em ensinar e muitas vezes não são recompensados com o desejo tão intenso do mais novo em aprender, quanto o desejo do mais velho em ensinar.

Os mais jovens normalmente escolhem aqueles mais velhos a quem irão pedir auxílio, é uma troca entre o saber ouvir o saber falar e o saber calar. Os mais novos as vezes se decepcionam com os mais velhos quando não conseguem a informação desejada no momento desejado. Mas é o tempo cumprindo sua função.

Coió deveria ocupar um capítulo a parte nas Casas de Santo, em tudo e por tudo há um coió, as vezes engraçados, as vezes constrangedores, mas mesmo nos coiós há informação.

O coió pode ser: Explicativo (“já te falei que só se corta os bichos pelas juntas, nunca se corta o osso, não falei?”). Inclusivo (“por que você não usa roupa estampada? Você já é velho bastante para isso, então use ta?”). Exclusivo (por que você está usando roupa estampada? Você ainda é muito novo para isso). E outros.

O aprendizado é longo e cheio de regras, não se aprende tudo em único dia nem em único Bori, o conhecimento vem com a repetição dos gestos, das cantigas, dos rituais, das danças. Aprender é um eterno fazer e refazer, ordenar e reordenar os pensamentos e os conceitos predeterminados. Para aprender sobre o que não se vê, e Vodun não se vê, sobre o sentimento e sobre emoções, deve-se estar aberto ao inesperado, ao novo e até ao contraditório.

Aprender numa Casa de Santo é diferente de uma escola convencional, não há cartilha, nem quadro negro, muito menos professores. Mas há a cozinha…, o melhor lugar para dar e receber informação, lugar sagrado de se falar baixo e pouco, sobre o estritamente necessário. É na cozinha que se aprende de fato. É na sala que se confirma o que foi aprendido.

Aprender numa Casa de Santo é essencialmente observar, quando Abian, se permanecer muito tempo abaixado e a visão pode ser comparada a de uma criança por entre as pernas e saias dos mais velhos, neste período há pouca informação, pouco conhecimento e poucas e raras responsabilidades. Quando Vodunsi, o ângulo de visão melhora e as informações têm mais conteúdo, principalmente os “coiós” e as responsabilidades lhes são atribuídas aos poucos. Quando Egbomis, as informações que foram recebidas e assimiladas ao longo dos sete anos que o separavam dos “segredos guardados” serão finalmente cobradas e exercitadas plenamente, o iniciado já está apto e pronto para…. informação e “coió”.

Parece-me que a informação anda junto com “coió”, um depende do outro é uma relação de amor.

Muitos querem saber hoje o que só poderão saber amanhã, eles buscam de Casa em Casa, vão a todas, mas não se fixam em nenhuma e como costumamos falar eles “catam” a informação desejada, mas o aprendizado fica prejudicado, no Candomblé o que vale é o modo como se faz ou se fez na sua Casa na sua raiz e no seu Axé, foi assim que fomos ensinados. Informação extra Casa deve ser comedida e de fonte segura.

O aprendizado no Candomblé se faz da seguinte forma: Mais ouvir que falar, mais fazer que perguntar.

Um detalhe. A iniciação por si só não garante acesso a todas as informações no Candomblé. De fato, podemos dizer que as formas de aprendizagem nessa religião são variadas e complementares. Mas o cumprimento das obrigações “de ano” no tempo devido é que podem credenciar o iniciado ao saber mais profundo. Mas, enquanto algumas das assimilações de conhecimento podem ser substituídas, a hierarquia e tempo de santo, o convívio com a Casa e a observação ainda são imprescindíveis para se aprender candomblé.

Uma Casa de Santo está sempre em movimento, sempre activa, sempre viva, portanto sempre disponível aos que desejam aprender, tanto a colher as folhas no local e horário correcto, quanto a depenar e retirar os axés, o modo correcto de acender ou apagar o fogo de lenha ou a usar roupa branca ou estampa adequada ao seu Vodun ou ao evento do dia. Em uma Casa de Santo há sempre necessidade da colaboração de todos, da participação de todos, de todos e qualquer um.

O aprendizado se dá na mesma velocidade com que você percebe que seus atos e palavras interferem, colaboram ou não para fortalecer a comunidade, vem com o tempo de iniciação? Sim vem, mas também com as boas amizades e com as trocas de bênçãos.

Aprendizado no candomblé vem com o tempo…e humildade.

Kolofé!

Osogbo – O reino de Òsún



Arugbá Òsún

A festa anual das oferendas a Òsún, realizada em Osogbo na Nigéria é uma reatualizarão do pacto que o primeiro rei local contraiu com o rio do mesmo nome.
“Laro”, o antepassado do atual rei, depois de prolongadas atribulações procurando um lugar favorável onde pudesse instalar-se com seu povo chegaram ao rio Òsún, onde a água corria permanentemente.

Segundo se conta alguns dias mais tarde uma das filhas desapareceu nas águas quando se banhava no rio e, passado algum tempo, delas saiu, esplendidamente vestida. Declarou aos seus pais que fora admiravelmente recebida e tratada pela divindade que ali morava.

Laro foi fazer oferendas de agradecimento ao rio. Muitos peixes, mensageiros da divindade, em sinal de aceitação, vieram comer o que o rei jogou na água. Um peixe de grande tamanho veio nadar perto do lugar onde ele se encontrava e cuspiu água.

Laro recolheu essa água em um cabaça e bebeu-a, celebrando assim um pacto de aliança com o rio. “Em seguida estendeu as mãos e o grande peixe saltou nelas e assim assumiu o título de Ataojá, contração da frase yorùbá” A lewo gba eja (aquele que estende as mãos e pega o peixe).

A partir disso ele declara “Òsún gbo”, isto é, (Òsún encontra-se em estado de maturidade, suas águas sempre serão abundantes).

Daí originou-se o nome da cidade, Osogbo.

No dia da festa “Odùn Òsún” o “Ataojá” vai com grande pompa até o rio. Leva na cabeça uma coroa monumental feita de pequeninas contas. Usa um pesado traje de veludo e caminha com gravidade e calma, rodeado por suas esposas e dignitários.
Uma filha do “Ataojá” carrega nessa procissão anual, uma cabaça de Òsún. Ela tem o título de “Arugbá Òsún” (aquela que carrega a cabaça de Òsún) e só pode exercer essa função antes da puberdade.

Ela representa a menina que desapareceu outrora no rio. Sua pessoa é sagrada e o próprio “Ataojá” inclina-se diante dela.

O Ataojá vai sentar-se numa clareira e acolhe as pessoas que vieram assistir à cerimônia. Os reis e chefes das cidades vizinhas comparecem ou enviam seus representantes. A todo momento chegam delegações precedidas por orquestras. Troca de saudações, prosternações e danças, como marca de cortesia recíproca que se sucede em crescente animação.

No final da manhã, o Ataojá, acompanhado de sua corte e convidados aproxima-se do rio Òsún e manda jogar nele, através da Iya Òsún e do Aworo, oferendas de comidas: “agídí”(massa feita de milho), inhames cozidos,”iyanli”(espécie de sopa) etc.

Os peixes disputam as comidas sob o olhar atento das sacerdotisas de Òsún.

A seguir o Ataojá vai ao recinto de um pequeno templo vizinho e senta-se em cima da pedra (Okutá Laro) onde seu antepassado Laro repousou outrora.

O Ataojá está rodeado pelos dignitários do culto de Òsún:

Iya Òsún, a mulher que se encontra à frente das sacerdotisas.

Aworo, o homem que se encontra à frente dos sacerdotes e seus substitutos.

Jagun Òsún, a mulher guerreira de Òsún.

Balogun Òsún, o guerreiro de Òsún.

Ololigan Òsún, o homem que se encontra à frente de todos aqueles que fazem oferendas a Òsún.

Ìyálòde Òsún, à mulher que se encontra à frente de todos os adoradores de Òsún, com exceção dos “Ìwòrò”.

Iyangba Òsún, a mulher que, a cada quatro dias, vai procurar água pra lavar os seixos de Òsún.

Àkùn Yungba Òsún, chefe dos cantores do culto a Òsún.

Prosseguindo ao cerimonial da festa a “Iya Òsún e o Aworo” realizam a adivinhação para saber se a divindade ficou contente com as oferendas que acabam de fazer-lhe e se tem alguma vontade a exprimir.

A seguir as pessoas cantam em torno do Ataojá, sentado na OKUTA LARO.

Seguem-se então cantigas em louvor a Òsún seguido de cânticos em comemoração a ação de Òsànyìn cujas palavras evocam as virtudes simbólicas de certas folhas.

Ìrókò, que produz calma.

Ògègè a árvore na qual se sobe pra ficar protegido.

Òdúndún, sempre fresca.

A parte religiosa pública chegou ao fim. O Ataojá, seguido pela multidão volta à clareira onde recebe seus convidados e os trata com uma generosidade digna da reputação de Òsún.

Fora desta data anual são feitas oferendas a Òsún a cada quatro dias (semana yorùbá).

A festa anual (Odùn Òsún) retorna portando a cada noventa e duas semanas yorùbá, perdendo um dia em cada ano solar normal e dois dias a cada ano solar bissexto.

O Ataojá, referindo-se a deusa Òsún diz:

“O povo de Osogbo e o Ataojá tem um pacto com o rio Òsún”.

Eles acreditam que o espírito de Òsún mora no rio Òsún e tem ali seu palácio, em lugar próximo de Osogbo. Pensam também que todos os lugares profundos do rio Òsún, a partir de “Ìgèdè” onde ele nasce até a laguna de “Leke” onde ele despeja suas águas, são habitados pelos espíritos de todos os seguidores, servidores e amigos quando ela vivia.

Esses lugares profundos recebem a denominação de “Ibú”.

Finalizando diz: Todos os rios tributários que deságuam no rio Òsún são os dedos da deusa e todos os peixes que nele existem, bem como em seus afluentes são os mensageiros de Òsún.

Os tesouros de Òsún são guardados no palácio do “Ataojá” templo este que fica situado nas proximidades do rio Òsún.