sexta-feira, 30 de novembro de 2012

O Culto aos Ancestrais e a Reencarnação no Candomblé



Em nossa postagem anterior, nós falamos um pouco sobre o culto a Ìyàmì, a grande mãe ancestral, hoje por outro lado, vamos discorrer sobre o culto aos ancestrais (Egúngún), por sua vez liderado por homens.

Na religião dos yorùbás, cremos que há vida após a morte e que os mortos podem retornar à terra através do Culto à Egúngún. 


De forma muito resumida, podemos afirmar que há o culto aos ancestrais “Lese Òrìsà” e o culto aos ancestrais “Lese Egúngún”. O primeiro é realizado nos terreiros de Candomblé – no Ilé Ibó Aku (casa de adoração aos ancestrais), em que os Sacerdotes de Òrìsà cultuam os ancestrais do terreiro, sem que exista a manifestação física desse ancestre. Esses ancestrais chamados de Esá são louvados e evocados em rituais como o Ipade e em cerimônias dedicadas à ancestralidade da Casa de Candomblé.

O segundo, por sua vez, ocorre nos chamados Terreiros de Egúngún, em que o Sacerdote do culto a Egúngún (Alapini, Alagbá e Ojé) cultuam além dos ancestrais daquele terreiro e da família, os ancestrais patronos de cidades inteiras, como ocorre, por exemplo, com Baba Ologbojo, patrono da cidade de Ogbojo na África, ainda hoje cultuado nos Terreiros de Egún da Ilha de Itaparica. Além disso, esses Sacerdotes, trazem à terra, esses Egúngún de forma física, ricamente vestidos com roupas coloridas.

Um Itán de Ifá, narra que na cidade de Oyo (África), existia um fazendeiro chamado Alapini. Esse fazendeiro tinha três filhos (Ojewuni, Ojesami e Ojerinlo). Certo dia, Alapini fez uma viagem e recomendou aos filhos que não comessem um tipo especial de inhame, haja vista ele deixar as pessoas com uma sede desmedida. Os filhos ignoraram a advertência e comeram em excesso o aludido inhame. Como já anunciado pelo Alapini, eles tiverem uma sede imensurável e beberam água até a morte. Quando do seu retorno, o Alapini deparou-se com seus filhos mortos e resolveu procurar um Babalawo. Através do jogo de Ifá, o Babalawo disse que no décimo sétimo dia da morte de seus filhos, o Alapini deveria ir até um bosque que havia perto do rio e pegasse um galho de Àtòrì. Nesse bosque ele deveria bater no chão três vezes o Isan (o bastão feito da árvore Àtòrì) e pronunciar certas palavras mágicas e chamar pelos nomes dos filhos "wa de" (venha), na terceira vez os filhos retornariam à terra e assim aconteceu.

Por isso, o sumo sacerdote do culto aos ancestrais é chamado de Alapini, pois o fazendeiro de nome análogo foi o primeiro homem a materializar um ancestral no aye. Diferente do culto a Ìyàmì, no qual, as mulheres são as grandes líderes, no culto à Egúngún, a liderança pertence aos homens. Há uma antiga história de Ifá, que nos explica a razão disso.

À época dos Òrìsàs, os homens eram os líderes de tudo. As mulheres, no entanto, resolveram punir os homens, mas sem nenhum critério ou limite, abusando desta decisão, humilhando-os. Yansan era a líder dessas mulheres revolucionárias que se reuniam em uma floresta. Oya havia domado e treinado um macaco marrom chamado Ijimere, utilizando para isso, um isan (galho da árvore "Àtòrì". Oya vestia o macaco com uma roupa feita de várias tiras de pano coloridas, de modo que ninguém via o macaco sob os panos. Conforme Oya batia o isan no solo, o macaco pulava de uma árvore para outra, movimentando-se de forma alucinante, como fora treinado por Oya. Deste modo, durante à noite, quando os homens por lá passavam, as mulheres que estavam escondidas, faziam o macaco aparecer e eles fugiam totalmente apavorados, pois acreditavam estar vendo um Egúngún. Cansados de tanta humilhação, os homens foram consultar Ifá através de um babaláwo, a fim de descobrir a causa de tamanha injúria. Através do jogo de Ifá, a farsa das mulheres foi desvendada. Ifá recomendou aos homens, alguns sacrifícios, sendo Ògún, o encarregado de reverter o cenário imposto pelas mulheres. Quando Ògún chegou ao local das aparições, vestiu-se com vários panos coloridos, ficando totalmente encoberto, escondendo-se atrás de uma árvore. Quando as mulheres chegaram, ele apareceu subitamente, correndo, berrando e brandindo sua espada pelos ares, todas as mulheres fugiram assustadas, inclusive Oya. A partir desse dia, os homens dominaram as mulheres e as expulsaram para sempre do culto aos ancestrais. No entanto, Oya Igbale, continua sendo a Divindade que os Egúngún respeitam.

Muitos desacreditam da manifestação dos ancestrais e isso aconteceu até mesmo com os Òrìsàs. Outra história de Ifá, narra que após o Alapini ter evocado presencialmente os seus filhos já falecidos, Sàngó mandou lhe chamar, pois não acreditava que os mortos podiam voltar do além.

Como Sàngó era o grande Rei de Oyo, o Alapini foi prontamente ao palácio, quando chegou lá, Sàngó disse que iria prender Alapini, pois ele dizia que tinha o poder de trazer os mortos do além e isso era uma grande mentira e que se ele realmente conseguia fazer isso, que fizesse diante dos olhos de Sàngó. Alapini respondeu que não poderia evocar os ancestrais diante de Sàngó, mas que sim era possível trazer os mortos do além. Sàngó então mandou que construíssem um quarto dentro do palácio e vistoriou toda a edificação, garantindo que não havia ninguém dentro dela. Sàngó pediu para que o Alapini entrasse no quarto e que se ele tinha realmente esse poder, ele evocasse os ancestrais lá dentro, pois Sàngó tinha certeza que não havia mais ninguém lá. Alapini pediu algumas coisas, como panos, espelhos e um Isan (a grande vara de atori). Sàngó pessoalmente entregou tudo ao Alapini, certificando-se que não havia truques. Feito isso, Sàngó trancou a porta e ordenou que Alapini evocasse os ancestrais. Pouco tempo depois, uma voz rouca começou a sair do quarto. Sàngó irritado, disse que se aquilo fosse um truque, o Alapini seria morto. Passado mais um tempo, o Alapini pediu que abrissem a porta, quando Sàngó abriu, saíram de lá o Alapini e Egúngún, vestido com os panos e espelhos preparados pelo Alapini. Diante disso e impressionado, Sàngó instituiu o culto aos ancestrais em Oyo (seu reinado) e, a partir desse dia, todos os Alaafin (rei de oyo), são empossados pelo Alapini, pois é ele que conhece a ancestralidade de Sàngó.

No Candomblé, o culto aos antepassados é tão importante que, mesmo antes de louvarmos os Òrìsàs, devemos render homenagens aos ancestrais, isso é ainda mais saliente nas casas antigas, em que já houve mais de um Sacerdote, sendo que o líder atual, sempre reverenciará aqueles que o antecederam. Nesse sentido, acreditamos que, quando uma Ìyálòrìsà ou Babalòrìsà falece, ele também servirá como conselheiro para os que o sucederão, no entanto, como ancestral, sendo muitas vezes consultado por meio do oráculo. Há um antigo provérbio yorùbá que diz: “Você só completará a sua missão, se cumprir a missão dos seus antepassados”.

Como exposto acima, no Candomblé nós acreditamos na vida além da morte, em verdade, cremos que a morte é o renascimento para todos. Nós cremos que, quando uma pessoa morre, ela parte para um dos espaços Orùn, a depender da sua conduta no Ayè (que também é considerado um dos Orùn, para os yorùbá).

Acreditamos na existência do Orun Rere (reservado para as pessoas que tiveram uma conduta exemplar no Aye), o Orun Alafia (local de grande paz e harmonia), o Orun Funfun (local da pureza), o Orun Baba Eni (local no qual cremos que residem os Sacerdotes), Orun Isalu (local onde as pessoas serão julgadas), Orun Apadi (local ruim, das coisas que não serão reparadas e que não serão restituídas à vida através da reencarnação), o Orun Buruku (o pior espaço, para onde vão as pessoas más) e o Orun Afefe (onde os espíritos permanecem e tudo é corrigido, e lá ficarão até serem reencarnados).

Desse modo, nós também acreditamos na reencarnação (Atunwa), mas como vimos, nem todos serão reencarnados. A viagem da vida (Ajolaiye) em sua amplitude, não é concedida a todos, mas quando isso ocorre, cremos que seja na mesma família. No Candomblé, quando existe a reencarnação, essa ocorre invariavelmente no mesmo seio familiar daquele que faleceu.

Nesse sentido, essa “sentença” de nascer na mesma família, serve como “premio” ou “punição”. Quando uma pessoa atingiu seu papel no aye, de forma benéfica, ele certamente contribuiu para a edificação de sua família, assim sendo, quando ele retornar para essa família, ele estará retornando para um ambiente que ele mesmo contribuiu para que fosse bom e isso será considerado um prêmio ancestral. No entanto, se ao invés disso, ele tenha causado problemas à sua família, ele retornará para um ambiente que ele contribui para que não fosse bom, sendo assim uma punição, no entanto, com uma oportunidade de virar o jogo.

Na África, essas crianças reencarnadas são descobertas pelo oráculo logo quando do seu nascimento, recebendo nomes que evidenciam isso, como por exemplo, “Babatunde” (o pai retornou).

Há um itan de Ifá, que discorre que uma pessoa só descansará eternamente no Orun, caso ela já tenha conseguido realizar todas as coisas boas que ela tinha que realizar no Ayé. Somente após isso ele poderá descansar, caso contrário, ela retornará ao Aye (Atunwa), para cumprir a sua missão. Isso tem como objetivo, atingir o equilíbrio máximo entre os Orun e Aye.

Nós da Casa de Òsùmàrè, esperamos ter novamente contribuído para o esclarecimento da nossa cultura.


Que Òsùmàrè Aràká, o grande patrono da nossa família, continue olhando e abençoando todos.

Terreiro de Òsùmàrè

Porque Obaluwaiye Usa o Azen



Obaluwaiye é, sem dúvidas, uma das Divindades mais adoradas no Candomblé da Bahia, prova disso, são as incontáveis manifestações dos filhos desse Deus no mês de agosto e as segundas-feiras de cada semana.


Apesar de toda essa devoção, muitas pessoas acreditam que Obaluwaiye usa o Azen (espécie de capacete feito de palhas da costa 
e búzios que lhe cobre todo o rosto), pelo fato dele ser um Òrìsà com algum tipo de deformação no rosto.

Esse equívoco teve origem em razão da própria história de Obaluwaiye, na qual conta que, em razão dele ter nascido com chagas, sua mãe biológica (Nàná) o teria abandonado ainda recém-nascido à beira de uma praia. Fato é que, ele realmente foi abandonado na praia e sofreu graves ferimentos no rosto por conta das aranholas que por ali estavam. 

Yemoja, a grande Deusa das águas, por sua vez, ao se deparar com aquela criança, a criou como se fosse seu filho. Essa história é, ainda hoje, narrada no Terreiro de Òsùmàrè, por meio de uma cantiga, que conta essa importante ligação de Obaluwaiye com Yemoja.

No entanto, muitos se esquecem de que Yemoja, por meio de uma erva sagrada, conseguiu curar todas as feridas oriundas das chagas e do ataque das aranholas, curando completamente as marcas que existiam no rosto de Obaluwaiye. Dessa forma, fica a questão: “se não há feridas para esconder, porque Obaluwaiye usa o Azen”?

Em verdade, além da sua inconteste ligação com a terra (afinal, Obaluwaiye é o dono da terra, à exemplo de Onilé) ele também é um dos donos do sol. No Candomblé, acreditamos que o brilho do sol que reflete do rosto de Obaluwaye é tão intenso, que é necessário que o mesmo seja coberto com o Azen. Além disso, o Azen devidamente preparado pelo Sacerdote ou pelo Asogba, tem o poder de controlar as forças de Obaluwaiye, que são intangíveis e perigosas.

Em razão disso, Obaluwaiye não usa outro tipo de adereço que não seja o Azen, sendo então, vedada a utilização de Ades e/ou máscaras. Isso explica, ainda, a razão do grande interdito acerca da Aranhola.

Que Òsùmàrè Aràká continue olhando e abençoando todos.
Casa de Òsùmàrè

ÌYÀMÌ




Hoje vamos falar um pouco sobre uma das mais importantes e perigosas Divindades do Candomblé, a grande mãe ancestral Ìyàmì. Essas grandes senhoras são, sem dúvidas, o maior símbolo do poder feminino da cultura yorùbá. 

Antes de tudo, é importante recordarmos que o culto às Mães Ancestrais, chegou ao Brasil, ainda à época da escravidão, sobretudo por meio de Maria Júlia Figueiredo, do Terr
eiro da Casa Branca do Engenho Velho, que possuía dois dos mais importantes títulos nas sociedades femininas yorùbá, o de Ìyálode (chefe entre as mulheres) e Erelu (supremo título feminino na sociedade Ogboni). É muito importante salientar o papel de Maria Júlia Figueiredo (Ìyá Omoniké), para a formação desse culto no Brasil, bem como os seus títulos honoríficos, trazidos da África, pois há quem erroneamente acredite que o conhecimento litúrgico acerca das Ìyàmì seja algo recente no Brasil.

Fato é que nas mais antigas e tradicionais comunidades de Candomblé da Bahia, o culto à Ìyàmì sempre existiu, no entanto, o respeito que existe em relação a essa Divindade fez e faz com que o seu culto seja restrito e não participado à maioria. A evocação dessa importante Divindade em rituais como o Ipade, bem como, os assentos mais que centenários existentes nos tradicionais terreiros, corroboram a constatação desse culto ter sido introduzido no Brasil, juntamente com o surgimento do Candomblé na Bahia.

Ìyàmì é tida como a perigosa feiticeira yorùbá, por isso recebe o nome de Ìyàmì Ajé (minha mãe a feiticeira). O medo e respeito acerca dessa divindade são tão significativos que, o seu principal nome (Osoronga), quase nunca é pronunciado nas Casas de Candomblé. Quando isso ocorre, a pessoa que está sentada se levanta, cruzando a barriga e nunca em sinal de respeito e reverência. O mesmo ocorre na cerimônia do Ipade, quando as filhas da comunidade cruzam a barriga e nunca, sempre que pronunciado o nome, por completo, da grande mãe ancestral.

O primeiro nome Ìyàmì, que significa “Minha Mãe”, antecede os diversos “apelidos” que são utilizados para mencionar a grande mãe ancestral, tais como o mencionado “Ìyàmì Osoronga” (que não deve ser pronunciado em momentos indevidos), “Ìyàmì Eleye”, “Ìyàmì Ajé”, “Ìyàmì Agba” dentre muitos nomes.

O poder de Ìyàmì é intangível e desmedido, ela é sem dúvida alguma, uma das Divindades mais poderosas do Candomblé e, essa é uma das razões para que as pessoas tenham tanto receio e medo em relação a Ìyàmì. No Ipade, Ìyàmì é louvada por meio de cânticos específicos que enaltecem as suas características e por meio de oferendas que apaziguam a sua cólera, fazendo com que exista o equilíbrio necessário para a realização das festividades.

Em momento algum podemos deixar de lado o perigo existente acerca de Ìyàmì, no entanto, não podemos igualmente deixar de recordar que Ìyàmì, é também, o próprio princípio genitor feminino, a representação máxima da ancestralidade feminina. Muitos dizem, de forma indevida, que Ìyàmì é uma divindade do mal. A verdade é que Ìyàmì jamais pode ser deixada de lado, isso sim desperta a sua cólera e seus aspectos mais perigosos.

Ìyàmì é o maior símbolo da ancestralidade feminina e a maior representação feminina é o ventre, simbolizado na cultura yorùbá pela cabaça (igba) e pelo ovo (eyin adiye). Ìyàmì é a grande dona do ventre, razão pela qual, muitas mulheres com dificuldade de engravidar recorrem a ela, para conseguir realizar o sonho da maternidade. Ìyàmì tem grande poder sobre toda a parte genitora, uma das reverências que as mulheres realizam para Ìyàmì, é justamente tocar a árvore sagrada dessa Divindade com a barriga, em sinal de respeito e clamando por proteção e filhos.

Os terreiros de Candomblé que colocam em suas portas ou assentos de Ìyámì, um pequeno alguidar com ovos e azeite de dendê, estão apaziguando a grande mãe e pedindo para que as intrigas, confusões e discórdias não adentrem ao terreiro. Como já mencionado, o ovo representa o ventre e, por consequência Ìyàmì, o azeite de dendê, diferente do que muitos acreditam, por sua vez, tem o poder de apaziguar, de trazer a calma (eró). 

Outro símbolo dessa poderosa Divindade é o pássaro, por isso, ela também é chamada de Ìyàmì Eleye (a mãe dona do pássaro, em especial, a coruja). Aqui em Salvador, é comum se ouvir das antigas egbon do Candomblé que, quando uma coruja (owiwi) canta, Ìyàmì está anunciando a sua chegada o que pode em muitos casos, ser um mau presságio. Quando isso acontece, elas imediatamente cruzam a barriga e nunca.

Muitas histórias discorrem sobre a ligação das Ìyàmì com os pássaros, com as penas das aves (Mãe poderosamente emplumada). Em uma antiga foto constante no terreiro da casa branca, Ìyá Júlia (Ìyá Lode, Erelu) aparece com uma pena de um pássaro na cabeça, mostrando novamente a sua ligação com o culto dessa Divindade. Ainda hoje, é comum veremos antigas egbon do Candomblé, carregando entre os cabelos, uma pena de pássaro.

Algumas historias de Ifá, ilustram que Ìyàmì tem o poder de se transformar em pássaro, empoleirando-se em algumas árvores como Iroko e Ajanrere. Esse, por sinal, é um dos motivos para que as pessoas não fiquem debaixo da copa de Iroko durante a noite, pois acreditamos que ela se esconde em seus grandes galhos.

Muito embora, grande parte do culto de Ìyàmì é destinada às mulheres, existe a dança de Gèlèdè, realizada por homens. Nessas danças, os homens prestam homenagem à Ìyàmì, com máscaras que simbolizam a própria imagem da Grande Mãe Ancestral. A dança realizada por homens, mostra de forma contundente que a mulher tem o poder da vida, pois todos são gerados no ventre feminino, todos nasceram de uma mulher, sendo fundamentalmente importante se curvar ante à poderosa mãe. No Brasil, a dança de Gèlèdè não perdurou, talvez pelo fato da supremacia da mulher nos terreiros e, ainda talvez, pelo forte culto à Egúngún, os grandes ancestrais masculinos, que diferente do culto à ÌYámì, tem quase que sua totalidade de rituais, liderados por homens.

Todas as mulheres e todas as Divindades femininas – principalmente Òsun, Oba, Yewa, Oya, Nana e Yemoja, possuem uma grande ligação com Ìyàmì. Cada uma dessas Divindades possui uma justificativa que ilustra sua ligação com Ìyàmì, mas o fato de todas serem mães e poderosas em suas sociedades, reflete de forma abrangente esses laços.

No Asè Òsùmàrè, à época das festividades de Òsun, existe um ritual carregado de simbolismo, na qual as mulheres do Terreiro carregam as águas para a árvore consagrada à grande e poderosa mãe. As mulheres do Terreiro, principalmente as Agba, dançam e cantam em homenagem àquela que representa o maior poder da mulher na sociedade Nàgó. Nessa ocasião, a nossa Agba, Mãe Walquíria de Òsun, que possui no Terreiro de Òsùmàrè, o título de Ìyálode, carrega a máscara consagrada à Ìyàmì, evidenciando-nos de forma contumaz a manutenção desse importante culto no Brasil.

Embora seja um ritual interno, realizado diante somente dos filhos da casa, é uma cerimônia muito importante para todos, pois revitaliza a importância da mulher e do poder feminino, remetendo-nos à mais pura essência da nossa cultura ancestral. É fundamental, ainda, pois apazigua os poderes dessas grandes mães, transformando sua energia num poderoso agente de proteção, seja para casa, seja para os filhos do egbe.

Obviamente, esse culto é cercado de segredos que não podem ser revelados aos não iniciados e, em momento algum, podemos esquecer que estamos escrevendo num ambiente que é aberto a todos. No entanto, mesmo com o cuidado de não participar o Awo (mistério) desse culto, nós do Terreiro de Òsùmàrè, esperamos ter contribuído para o esclarecimento sobre essa importante Divindade do Candomblé, Ìyàmì Agba.

Terreiro de Òsùmàrè

O Filho de Osin, a Primeira Criança Surda e Muda



Uma antiga história, conta que Ifá havia orientado um poderoso Rei para fazer um sacrifício. Ifá disse que ele deveria realizar uma oferenda, para que a sua mulher que estava grávida, não tivesse nenhum tipo de problema com a criança que estava por nascer. Esse Rei (Osin), muito poderoso, ignorou as recomendações de Ifá e nada fez.

Passado algum tempo, a mulher de Osin, deu à luz, nascendo um menino. Esse menino foi chamado de “A Coroa Que Anda com Honra”. Ao longo do tempo, o Rei observou que a criança não falava nada, quando cresceu um pouco, descobriram que além de não falar, o menino também não escutava, tratava-se da primeira criança surda e muda que se tem conhecimento. O Rei fez de um tudo, mas o menino não falava e nem escutava.

O Rei levou a criança aos caçadores de búfalo. Quando lá chegou, os búfalos berraram diante do menino, mas ele não esboçava nenhum sinal. Eles, então, levaram a criança aos caçadores de elefante, mas nem assim o menino falava ou escutava. A tartaruga, então, disse que ele faria com que a criança falasse. O Rei prometeu que, se a tartaruga fizesse a criança falar, ele dividiria sua casa em duas e daria uma metade para ela.

A tartaruga consultou Ifá, que lhe disse que ela deveria preparar dois feixes de Atori com alguns elementos que ele lhe daria. Ifá disse que, ele deveria pegar bastante mel e levar em um caminho onde o filho de Osin sempre passava, explicando tudo que a tartaruga tinha que fazer, com aqueles Atori preparados. 

No outro dia, a tartaruga preparou os feixes de Atori conforme recomendação de Ifá, colocou ainda, bastante mel no caminho onde ele sabia que o filho de Osin passava e se escondeu atrás de uma árvore. Todos que passavam naquele caminho provavam o mel até que, passou o menino mudo e surdo. Quando o menino viu o mel, ele começou a provar se lambuzando todo. Nesse momento, a tartaruga pegou os Atori que estavam preparados e começou a golpear o menino, dizendo que ele era um grande ladrão e que deveria se envergonhar, pois era filho de um rei muito rico.

Após alguns golpes com os Atori preparados, o filho de Osin pela primeira vez em toda a sua vida, começou a chorar e depois disso, começou a falar. Tartaruga disse: “Você, filho de Osin, a partir de hoje pode falar e escutar e eu vou te levar para o seu pai”.

Quando chegou diante de Osin, a tartaruga falou: “Eis seu filho, poderoso Osin, falando e escutando”. Quando o menino começou a falar, Osin começou a chorar e disse: “Conforme eu prometi, metade da minha casa é sua”. A partir desse dia, o Rei Osin, começou a reverenciar a Tartaruga.

Que Òsùmàrè Àràká continue olhando e abençoando todos.
Terreiro de Òsùmàrè