Mãe Senhora
Como todos os antigos, Mãe Senhora brigava feio quando as regras litúrgicas não eram respeitadas, mas logo fazia um carinho no faltoso assustado, como conta Waldeloir Rego, iniciado por ela em 1964. Waldeloir lembra de um episódio com Mãe Senhora que define bem o poder que lhe era atribuído e a seriedade com que ela o exercia: “Quando ela estava no Rio, chegou uma senhora de família tradicional para vê-la, dizendo: ‘’Oh, minha mãe, eu quero me ver livre do meu marido, mate ele’. Aí, ela disse pra moça: ‘Minha filha, eu não posso fazer isso, porque eu só vim ao mundo pra aconselhar e pra botar a mão’, que é iniciar os filhos de santo”.
Mãe Ondina
Poucos dias antes de morrer, em janeiro de 1938, Mãe Aninha conheceu uma garotinha desconfiada que, nenhuma das duas podia imaginar, se tornaria anos mais tarde yalorixá do Afonjá: Stella Azevedo. Depois de Mãe Senhora, veio Mãe Ondina, que cuidou do axé do São Gonçalo até 1975, quando então assumiu Stella de Oxossi. Se nesses anos todos a roça de Obá Biyi sempre prosperou, sob o comando de Mãe Stella as coisas seguiram com uma rapidez ainda maior. A enfermeira que estudou em boas escolas, aprendeu francês e piano, foi funcionária pública e dona de uma loja de artesanato, transformou o Afonjá, definitivamente, numa universidade da cultura afro-baiana. Os filhos-de-santo e amigos da casa criaram o Museu Ilé Olun Lailai, uma biblioteca, oficinas, grupos de estudo, eventos culturais e a menina dos olhos de Mãe Stella: a escolinha que atende a cerca de 300 crianças. Novas casas para os orixás foram construídas, as antigas foram reformadas e os contatos com o mundo acadêmico se intensificaram: Mãe Stella é convidada para fazer conferências em universidades inglesas e americanas, representou o candomblé no ECO-92, promovido pela ONU e escreveu livros.
Mãe Stella
Valnísia de Airá nunca tinha imaginado assumir um cargo como o de mãe-de-santo: “Eu nem imaginava, não sabia, nunca ninguém tinha me dito nada que me deixasse perceber”. Na verdade, o Ilê Obá do Cobre, terreiro fundado no Engenho Velho da Federação por sua bisavó, Sinha Flaviana, já nem funcionava plenamente e Mãe Val tinha sido iniciada na Casa Branca, aos 16 anos: “Esse terreiro veio da Barroquinha há mais de um século, aqui pro Engenho Velho, segundo minha tia Edite, neta de Sinha Flaviana”, conta ela, revelando que o Cobre, assim como o Afonjá e o Gantois, é também descendente direto do primeiro terreiro baiano. Depois de Sinha Flaviana, quem ficou à frente do Cobre foi Maria Eugênia, avó de Mãe Val, que era iniciada, mas não “feita de santo”: “Ela continuou tomando conta dos orixás e preservou a casa”, explica ela.
Com a morte de Maria Eugênia, o terreiro ficou cada vez mais abandonado. “Quando cheguei aqui, encontrei a casa no chão”, relembra Mãe Val. Ela explica que não se arrepende de ter seguido este caminho, apesar de não ter sido uma escolha, “mas existia uma força maior, a do orixá abandonado, esperando alguém da família pra levantar o axé”. Esta cobrança, Valnísia e sua família estavam sentindo na pele: “Minha mãe foi desenganada pelo médicos, a família toda estava com problemas, muito desemprego. Cada dia que passava, as coisas piorando. Aí eu vinha aqui, sozinha, afastava as teias de aranha, acendia uma vela e pedia a Xangô pra ter paciência. Eu só tinha vinte e poucos anos, não podia assumir. Mas um dia eu fiz uma promessa, que se minha mãe ficasse boa, eu vinha tomar conta dele. Não disse que ia ser mãe-de-santo, disse que ia zelar por ele. Só que em uma semana minha mãe ficou boa e está aí até hoje. Então reunimos a família toda pra dar comida a Xangô. Foi muito difícil, mas todos ajudaram, muitas pessoas da Casa Branca, Dona Tatá. Depois desse amalá, tudo melhorou, as coisas começaram a caminhar. Isso há uns 15 anos atrás”. A necessidade de cercar o local, que estava servindo como passagem para marginais e a necessidade de ocupá-lo, fizeram o resto e o Ilê Obá do Cobre cresce a cada dia. Além do trabalho religioso, que tem tornado Mãe Val cada vez mais conhecida, outra marca do seu trabalho é a atuação social. No começo, eram sessões educativas, apresentações de filmes, discussões sobre AIDS. De quatro anos para cá, com as parcerias com a Fundação Palmares e a Capacitação Solidária, o trabalho se intensificou. Como o espaço é pequeno, qualquer lugar serve para as aulas dos cursos profissionalizantes para adolescentes, informática, telessala, alfabetização de crianças e de adultos, percussão, teatro: na sala, no barracão, ao ar livre, em frente à casa dos orixás.